quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Roberto DaMatta: Será que...

- O Estado de S. Paulo / O Globo

Nem democratismo nem populismo sobrevivem ao roubo, à mentira e sabotagem

Estamos tentando implementar um programa igualitário? Um projeto que provoca alergia nas nossas mais variadas nomenclaturas e castas de direita e de esquerda? Uma proposta potencialmente conflituosa, sempre republicanamente querida e paradoxalmente adiada porque somos profusamente anti-igualitários?

Um plano que levaria – se eu ouvi bem o Paulo Guedes – ao desmonte de um Estado tutelado por “funcionários públicos”, que recriaram uma aristocracia republicana no tal “Estado Novo”? O “novo” obviamente inconscientemente dando continuidade e consolidando não apenas seus imensos poderes, mas em paralelo. Seus maneirismos palacianos os quais nós, os comuns ou os negadores do real, tínhamos como modelares, polidos e superiores? Será que trocamos os punhos de renda por gravatas italianas e as cadeirinhas, tocadas a escravidão, por carros oficiais com as placas do “sabe com quem está falando?”.

Será que estamos começando a romper com um estilo de vida baseado nas reciprocidades do patriarcalismo reunido ao aparelhamento partidário e de um liberalismo a meia-bomba, para inglês ver?

Será que conseguimos produzir uma elite antifidalga? Aquela que Nabuco e Raymundo Faoro desmitificam? Elite que não vai se reproduzir como dona do poder, um contraditório patriarcalismo burocratizado? Um enlace entre Estado e sociedade legitimado por garantias igualitárias, mas cujos procedimentos estariam longe da ética republicana e feitos com base na companheirada? Será que vamos ser capazes de sacudir a herança ibérica, modelada numa concepção de justiça ritualística, domada muito mais pela abundância dos recursos e filigranas legalistas do que pela equidade da soberania individual cidadã? 

Será que estamos tentando legislar menos para o quarteirão que deixa escapar o bandido protegido pelos privilégios do cargo que empossou? Estamos diante de uma quimera quando ouvimos os ruídos da revisão de um despotismo legalista porque o que conta não é crime, mas quem o cometeu? Estou vivendo tempos nos quais povo e elites desejam terminar de fato com o axioma de que seguir as leis é “uma babaquice” – conforme ouvi a vida toda?

Será possível continuar com o axioma do trabalho para muitos, impostos para todos, burocracia para o sistema e cargos especiais e muitos conselhos de estado para os escolhidos? Esses conselhos que anulam a aferição dos resultados e institucionalizam o “jogo de empurra” estampado nos jornais?

Num mundo em transformação será possível um sistema legal que tudo prevê graças à sabedoria dos juízes cuja consciência vemos em nossas casas nos seus narcisismos de celebridades e nas suas incoerências? Como continuar misturando desigualdade ao ideal constitucional de igualdade, que leva ao debate e ao movimento, próprios da natureza da democracia?

Resposta: penso que vai ser complicado. O desejo inconsciente de dar tiro no pé é muito grande. Será que ele vai continuar vencendo?

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Uma dupla dizia que “a prova do pudim está em comê-lo”. O socialismo, como as mais variadas dietas, mandamentos e votos, tem – como os pudins – consequências. Geralmente não funcionam, são adaptados ou simplesmente pervertidos. A receita de conciliar liberdade com igualdade dentro de um plano equilibrado exige, conforme viu Tocqueville, orgulho. Um valor que seus mais importantes estudiosos, de Harvey Mansfield, Jean-Claude Lambert a Pierre Manent, traduzem como autoestima, competência, honra e, no caso brasileiro, honestidade – essa marca registrada dos babacas!

De nada valem promessas se não há sinceridade e competência. Nenhum regime (ou instituição) sobrevive ao roubo; nenhum governo se salva diante da desonestidade para consigo mesmo e sua sociedade. No caso brasileiro, a diferença não é de superfície. É de fundo. O pudim não pode ser provado porque ele não foi feito.

Nem democratismo, stalinismo, populismo, fascismo, nazismo ou espiritismo sobrevivem – a despeito da simpatia e do fanatismo de alguns – ao roubo, à mentira e à sabotagem. No caso do Brasil, o que se espera quando se trata de “governo” é honestidade e honradez. Tudo pode ser parecido ou radicalmente diferente. A ausência de entrosamento, o discurso tosco, até mesmo o ridículo e a má informação é tolerável. Mas ninguém tolera mais malandragem e mendacidade como projeto de poder.

O ordálio do governo que mal começou; a prova do seu pudim não está apenas nas suas promessas, mas no modo de cumpri-las. Essa é a sua prova; essa é a bala de prata do seu sagrado desafio.

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