O novo presidente conseguiu um feito ainda inédito na estreia dos governos democráticos: foi publicamente desmentido, ele próprio, por membros de sua equipe
Na experiência democrática brasileira, nenhum governo começou com harmonia e serenidade. Fernando Collor, que assumiu em pleno colapso econômico provocado pela explosão inflacionária, abriu os trabalhos confiscando o dinheiro da poupança, o que deixou o país perplexo. Itamar Franco, presidente acidental, tomou posse com trapalhadas de todos os lados — não tinha programa, não fez sequer um discurso à nação e montou um ministério que se resumia a um condomínio de amigos. Collor terminou seu governo em desastre. Itamar fez história com a estabilização da moeda promovida pelo Plano Real, que levou Fernando Henrique Cardoso ao Palácio do Planalto.
Por ardis do destino, o começo do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, justamente o dele, foi o mais parecido com a primeira semana completa de Jair Bolsonaro no Planalto. O ministério de Lula entrou em campo protagonizando trombadas de um amadorismo ímpar. O ministro da Ciência e Tecnologia elogiou a pesquisa para a fabricação da bomba atômica — e foi logo desmentido em público pelo governo. O ministro dos Transportes disse que, em caso de falta de verbas no ministério, o Exército poderia usar seus batalhões para construir rodovias e estradas — e foi desmentido pelo próprio Exército. Na época, neste mesmo espaço da Carta ao Leitor, VEJA fez o seguinte balanço da estreia de Lula: “E assim transcorreu a semana, entre lançamentos de factoides e desmentidos quase imediatos”.
Pois Bolsonaro fez até um pouco pior. Como mostra reportagem desta edição, o novo presidente conseguiu um feito ainda inédito na estreia dos governos democráticos: foi publicamente desmentido, ele próprio, por membros de sua equipe. Três vezes. Bolsonaro disse que tinha assinado um decreto para aumento do imposto sobre operações financeiras, e foi desmentido. Disse que haveria redução das alíquotas do imposto de renda, e foi desmentido. Anunciou quais seriam as novas idades mínimas para a aposentadoria na proposta de reforma da Previdência do governo, e também foi desmentido.
É um começo desordenado e constrangedor, mas nada que não tenha conserto. Lula, apesar do caos inicial, acabou presidindo o país em uma fase de notável crescimento econômico e deixou o governo com altíssima popularidade — até parar atrás das grades. Bolsonaro tem tudo para acertar o rumo do seu governo, desde que compreenda, se ainda não compreendeu, que suas declarações no exercício do poder têm peso e consequência infinitamente maiores do que numa campanha eleitoral. Até aqui, as expectativas sobre o governo de Bolsonaro são tão positivas que nem a bagunça de agora teve efeitos deletérios. A bolsa segue em alta histórica, o dólar mantém sua trajetória de queda e o Brasil continua esperançoso de um futuro melhor.
Publicado em VEJA de 16 de janeiro de 2019, edição nº 2617
Então tá!
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