sábado, 12 de janeiro de 2019

Uma âncora para o governo: Editorial | O Estado de S. Paulo

Com inflação muito bem comportada, o presidente Jair Bolsonaro poderá governar nos próximos meses sem se preocupar com os preços no varejo ou com o risco de um aperto no crédito. Complicações de preços ou juros, se surgirem, virão provavelmente do exterior ou de algum tropeço mais sério da nova administração federal. Referência principal para a ação do governo, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 0,15% em dezembro, bem menos que um ano antes, quando o aumento chegou a 0,44%. A variação apurada no fim do ano foi a menor para um mês de dezembro desde a implantação do Plano Real, em 1994. Com isso, em 2018 o indicador subiu 3,75%. O resultado ficou sensivelmente abaixo da meta oficial, fixada em 4,5% com tolerância de 1,5 ponto para cima ou para baixo.

Se nada excepcional ocorrer nas próximas semanas, o Banco Central (BC) poderá manter em 6,50% ao ano a taxa básica de juros. A próxima deliberação está programada para o dia 6 de fevereiro. Em vigor desde março do ano passado, essa taxa poderá vigorar ainda por muitos meses, segundo avaliação corrente no mercado financeiro. Quanto mais prolongada a calmaria na política monetária, melhor para a expansão dos negócios e para a criação de empregos.

Se isso ocorrer, a gestão das contas públicas será favorecida em dois aspectos. Em primeiro lugar, haverá aumento da arrecadação de impostos, contribuições e taxas, com um reforço muito bem-vindo para os cofres da União. Em segundo, o governo poderá continuar rolando os juros da dívida federal com o menor custo registrado em muitos anos.

A inflação acumulada em 2018 ficou pouco acima da mediana das projeções do mercado. Essa mediana ficou em 3,69% na pesquisa Focus divulgada pelo BC na última segunda-feira. A pesquisa, atualizada semanalmente, envolve consultas a cerca de cem instituições financeiras e consultorias.

Neste ano, o IPCA deve subir 4,01%, se a mediana das últimas estimativas for confirmada pelos fatos. Nesse caso, mais uma vez a inflação ficará abaixo da meta, agora fixada em 4,25% com 1,5 ponto de tolerância para mais ou para menos. As expectativas para os dois anos seguintes continuam favoráveis, com taxas estimadas - medianas, nos dois casos - em 4% e 3,75%, exatamente nas metas determinadas para 2020 e 2021.

Segundo a mesma sondagem, o Brasil deve chegar ao fim do ano com juros básicos de 7%. Quatro semanas antes as projeções indicavam 7,50%. A redução da taxa básica esperada aponta confiança no controle da inflação, preocupação muito moderada com pressões externas e, acima de tudo, uma aposta firme na condução da política de ajustes e reformas. O governo tem reafirmado o compromisso com a arrumação de suas contas e, como parte da tarefa, com a implantação da reforma da Previdência.

As condições políticas para execução dessa pauta são claramente mais favoráveis, pelo menos até agora, do que no governo do presidente Michel Temer, prejudicado por denúncias e por tentativas de impeachment. Apesar dessas dificuldades, o governo recém-encerrado ainda conseguiu, depois da aprovação da reforma trabalhista e da aprovação do teto constitucional de gastos, conter o déficit primário, isto é, o resultado fiscal sem os juros.

A inflação contida é atribuível em primeiro lugar à boa condução da política monetária pelos dirigentes do BC. Mas esses dirigentes conseguiram ao mesmo tempo conter a inflação e baixar os juros de 14,25% para 6,50% graças a algumas condições favoráveis.

A mais importante foi o claro empenho do governo em consertar as contas públicas, mesmo depois do agravamento das condições políticas. O mercado reconheceu esse compromisso e isso contribuiu para a manutenção de expectativas favoráveis em relação aos preços. No jargão da autoridade monetária, as expectativas quanto à inflação têm permanecido bem ancoradas.

Essa ancoragem tem sido confirmada pelas projeções coletadas na pesquisa Focus. O novo governo mostrará competência, em primeiro lugar, se conseguir manter essa âncora.

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