sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

César Felício: No Legislativo, a tradição que se renova

- Valor Econômico

Rodrigo Maia pode virar o negociador central da reforma

O resultado da eleição para o Congresso Nacional no ano passado, com o extermínio de lideranças parlamentares consagradas, prometia uma revolução nos usos e costumes das duas Casas. Nada indica que será assim nas eleições para as presidências das mesas diretoras da Câmara e do Senado, que começam hoje e podem se estender até sábado.

Entre os deputados, Rodrigo Maia caminha para uma reeleição tranquila. No Senado o quadro é mais nebuloso, com algum favoritismo de Renan Calheiros, o que significaria o prolongamento da hegemonia do MDB. Seus adversários a mais curta distância são Tasso Jereissati, Simone Tebet e Davi Alcolumbre. Salvo na hipótese de vitória deste último, a combinação de resultados na Câmara e no Senado indica um Legislativo que pode convergir com o Palácio do Planalto, mas não será dócil a ele. O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, pode ficar muito fragilizado e perder relevância na negociação da reforma da Previdência.

Um articulador da candidatura de Maia relatou como o deputado resistiu ao vento renovador e construiu sua frente. O atual presidente da Câmara entrou em contato com todos os novos parlamentares, inclusive com os recém-chegados na atividade política, antes mesmo de começar a receber o aval das cúpulas.

O primeiro momento delicado envolveu o PSL. Uma briga interna no partido deixou evidente, em grupo de WhatsApp, que o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, operava contra Maia.

Para que o PSL fosse enquadrado, acionou-se o ministro da Economia, Paulo Guedes, com quem Maia tem antiga relação. O ministro foi à luta, encontrou-se com a bancada do PSL e teria tratado do assunto também com o presidente. A mensagem foi a seguinte: para se aprovar a reforma da Previdência, era preciso reeleger Rodrigo Maia. Se a ideologia prevalecesse na escolha do novo presidente da Câmara, os obstáculos seriam muito mais relevantes.

Na condição de fiador da reforma da Previdência, será o deputado do DEM o negociador principal do texto que irá a voto na Casa. Onyx ficará escanteado na negociação como ficou no processo eleitoral do Legislativo, no que depender de Maia.

Para manter a rédea firme no processo, é provável que Rodrigo Maia trabalhe para que a relatoria da reforma da Previdência continue nas mãos de Arthur Maia, que é do DEM e que exerce a mesma função em relação à reforma encaminhada pelo ex-presidente Michel Temer.

O segundo obstáculo sério no caminho de Rodrigo Maia foi o PP. O partido reagiu mal quando se tornou pública a guinada do PSL em direção ao atual presidente da Câmara e em razão disso a candidatura de Arthur Lira (AL) ganhou impulso. Segundo o articulador de Rodrigo Maia, o PP é muito mais perigoso do que o PSL, por ser muito mais orgânico na Câmara. É um partido conhecedor dos meandros que poderiam forjar uma aliança letal com a esquerda.

No PSL há uma grande incidência de influenciadores digitais, mas para a alegria dos veteranos, seu peso político é muito relativo. Os 'youtubers", como é usual entre as subcelebridades, querem cada um brilhar por conta própria, não formam correntes entre si. Salvo os integrantes de movimentos suprapartidários, como o MBL, atuam de modo isolado. Com os deputados eleitos sem vida política ou partidária anterior, Rodrigo Maia jogou na retranca: os encontros foram amenos, sem uma barganha clara de favores por votos.

No Senado, Renan tenta se impor dentro de um paradoxo: é o candidato com mais aceitação e mais rejeição simultaneamente. Suas pretensões ganharam força conforme a evolução das desventuras do senador eleito Flávio Bolsonaro. O filho do presidente pode vir a necessitar de blindagem no Conselho de Ética para sobreviver como parlamentar, e ninguém poderá oferecê-la com mais desenvoltura do que Renan. O senador alagoano conta com três capacitações em seu currículo: é um especialista em sobreviver, em salvar aliados, como José Sarney na década passada, e em afundar aliados, como Collor, na década retrasada, e Dilma, há apenas três anos. Nestes campos, Tasso e Simone Tebet não se comparam a ele.

Embora o próprio Flávio Bolsonaro tenha acenado com neutralidade, o presidente e seu entorno foram longe demais nas articulações contra Renan, sobretudo Onyx Lorenzoni. No Senado, a preferência oficial foi para um dos candidatos, Davi Alcolumbre, que encontra dificuldades em se firmar como a alternativa anti-Renan. O alagoano ofereceu a paz ao Planalto, mas pode se eleger com o sangue nos olhos, a depender do que acontecer hoje no Senado.

Resta claro, portanto, que a partir de fevereiro existe o risco de as duas casas do Congresso desencadearem uma ofensiva para derrubar o ministro da Casa Civil, com o endosso do ministro da Economia. A salvaguarda de Onyx é a de ser um bolsonarista de primeira hora, ao contrário da elite parlamentar. Chegou no entorno do presidente antes de Guedes, e a lealdade sempre é um ativo valorizado por presidentes sem uma base política muito ampla.

Para a reforma da Previdência trafegar com mais facilidade, o avanço de uma agenda conservadora no Congresso pode não ser suficiente. Haverá pressão para a distribuição de cargos nos Estados. A cúpula engoliu em seco não ter mais o comando dos ministérios, mas os cargos de menor escalão são vitais para a base. Vocalizar esta pressão de alguma maneira poderá ser a primeira missão que caberá a Rodrigo Maia desempenhar.

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