terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Fernando Exman: Início de intrigas

- Valor Econômico

Atuação em relação à Venezuela coloca vice em destaque

O previsível recrudescimento da crise na Venezuela e a divulgação da proposta da reforma previdenciária tiveram o condão de desviar, no decorrer dos últimos dias, as atenções de um conflito entre colaboradores mais próximos que há tempos demandava uma ação mais assertiva do presidente Jair Bolsonaro.

A exoneração do ex-ministro da Secretaria-Geral Gustavo Bebianno não deve afastar do Palácio do Planalto, em definitivo, o escândalo das candidaturas-laranja do PSL. Tampouco reduzirá a desconfiança existente entre os diversos grupos que orbitam o gabinete presidencial. No entanto, o episódio pode servir de pretexto para que Bolsonaro delimite, enfim, as áreas de atuação de familiares, auxiliares e aliados políticos.

Até a crise protagonizada por Bebianno escancarar uma dinâmica comentada nos bastidores, tratar do assunto às claras era considerado um tabu nas mesas e rodas de conversa frequentadas pelos governistas mais radicais. Sempre disposta a relacionar qualquer comentário sobre divisões no Executivo a tentativas de desestabilização, essa ala do bolsonarismo ainda segue a mesma linha nas redes sociais.

Disputas por poder e influência sobre o processo decisório do chefe de governo são naturais, ocorrem em qualquer país e sistema político. No caso da atual administração, elas já eram observáveis antes da campanha eleitoral.

Militares e qualificados colaboradores da academia elaboravam um detalhado programa de governo, enquanto Bolsonaro percorria o país e uma massiva campanha na internet era disseminada. Sua tropa política, Bebianno à frente, tomava o controle do PSL e das finanças nacionais do partido.

O movimento deixou sequelas, que ressurgiram após as denúncias de supostos malfeitos. Antes de cair, Bebianno divulgou nota na qual lembra que as verbas do partido eram repassadas pela tesouraria nacional sempre a pedido dos diretórios estaduais, os quais seriam os responsáveis pela aplicação do dinheiro. Nas entrelinhas, um detalhe: nas cúpulas estaduais estão líderes e parlamentares recordistas de voto, além de integrantes da própria primeira-família.

As recentes turbulências enfrentadas pelo governo já eram previstas durante a transição, no fim do ano passado, por quem frequentava o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Alguns, inclusive, arriscavam o prognóstico de que a administração Bolsonaro seria recordista em intrigas entre os integrantes do alto escalão da máquina federal. Afinal, o atentado contra Bolsonaro durante a campanha ainda alimenta teorias conspiratórias e desconfianças sobre tudo e todos.

Vazamentos de informação eram monitorados, e todos evitavam pegar telefones celulares em público.

Enquanto Bebianno se chocava com o filho do presidente devido aos rumos da comunicação do governo que era estruturado, militares tentavam se acomodar em postos estratégicos. Grupos divergentes também eram identificados, mas chamava a atenção dos civis que presenciavam os debates o que ficou conhecido como a "discordância leal" entre generais e seus auxiliares. Em outras palavras, a prática de divergir, mesmo que com veemência, mas depois respeitar a decisão tomada e aplicá-la na prática sem questionamentos.

Isso não impedia movimentações mais audaciosas, como as declarações do vice-presidente Hamilton Mourão de que teria sob seus cuidados parte da gestão das políticas públicas ou o deslocamento do ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Augusto Heleno, do Ministério da Defesa para a sua atual pasta. Reconhecido como espécie de referência intelectual de Bolsonaro, Heleno obteve assim uma sala muito mais próxima ao presidente e conseguiu consolidar-se como uma das mais influentes autoridades do Palácio do Planalto.

Bolsonaro, por sua vez, também não ajuda a semear um ambiente de confiança entre auxiliares. Na primeira crise envolvendo o seu próprio partido, acionou o Ministério da Justiça e cobrou providências da Polícia Federal.

Em outros tempos, ele próprio possivelmente chamaria a investida de uma ingerência política indevida numa instituição que deveria estar blindada dos interesses políticos e partidários do presidente da República.

Bolsonaro coloca a conclusão das investigações sobre o atentado que sofreu durante a campanha eleitoral como algo prioritário, cobrando em público a PF com frequência. Tem toda a razão em querer um desfecho nas apurações, afinal quase não sobreviveu à facada que levou em Juiz de Fora. Mesmo assim, ainda é incerto se ele aceitará uma eventual conclusão de que pode ter se tratado de fato de um crime de um autor só.

O Palácio do Planalto também tem integrantes de sua confiança em postos-chave de diversos ministérios. Alguns militares, outros da área de inteligência. Mas sempre alocados para monitorar contratos e as finanças dessas pastas.

A prática de espalhar pessoas de confiança Esplanada dos Ministérios afora ocorreu no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, a qual também criou uma série de obstáculos ao fluxo de informações e às decisões em escalões inferiores do governo. E como se sabe, problemas de relacionamento com seu vice ajudaram a catalisar seu impeachment.

Depois de ter barrada sua tentativa de assumir mais funções, inclusive durante o período de convalescença do titular, Mourão intensificou as aparições públicas e declarações à imprensa. No Executivo, houve quem argumentasse que era parte de uma estratégia mais ampla, para ajudar o governo a desviar o foco do noticiário negativo. Outros apostavam que Mourão dobraria a aposta, até ser incluído cada vez mais no núcleo decisório do Palácio do Planalto.

Nesta semana, no momento em que militares reclamam de uma postura mais agressiva da chancelaria brasileira, o vice-presidente foi escalado por Bolsonaro para tratar da crise venezuelana em relevante reunião na Colômbia.

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