domingo, 17 de fevereiro de 2019

Merval Pereira: Nas redes da intriga

- O Globo

O novo ativismo é individualista, isolado, orientado para questões de estilo de vida e crescentemente apolítico

A crise que culminou com a queda do ministro da Secretaria-Geral da Presidência guarda dentro de si uma crise maior, alimentada pelo próprio Governo, a crise da democracia representativa. Esse é um fenômeno contemporâneo globalizado que vai se alastrando à medida que os novos meios de comunicação vão abrindo espaço cada vez maior para a participação direta dos cidadãos nas decisões politicas.

Esse empoderamento do cidadão tem seu lado negativo quando os políticos passam a se guiar pelas redes sociais, em vez de liderar ações necessárias ao país, mesmo quando impopulares. O atual Congresso é exemplo concreto desse momento conturbado que vive a democracia. Parlamentares montam estúdios em seus gabinetes para lançar mensagens permanentes, e votam de acordo com as redes sociais.

Um governo eleito fundamentalmente pela ação nas redes sociais, beneficiado pelo poder de expor suas ideias sem ser confrontado, devido à possibilidade de não comparecer a debates de televisão, sente-se dono da comunicação politica. E reputa de “inimigos” aqueles que contestam suas decisões. Um governo desse tipo fica exposto a intrigas e manipulações várias.

O caso em questão é exemplar dessa situação. Se o ministro Gustavo Bebianno foi demitido devido às acusações de manipulação ilegal de dinheiro na campanha eleitoral, a mesma decisão deveria ter atingido o ministro do Turismo, acusado também de desviar recursos partidários utilizando-se de “laranjas”.

Na verdade, independente de Bebianno ser ou não culpado, o que determinou sua derrubada foi uma disputa de poder com o filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro. Especialista em usar as mídias sociais para defender seus pontos de vista, ele teve atuação permanente durante a campanha, mesmo que apartado do aparato formal.


Foi um trabalho solitário, ao lado do pai, sem características profissionais, o que permite a ele até hoje o papel de portador da voz do presidente, fora do circuito oficial que assume posições com base na intermediação com o Congresso, nas pressões da sociedade, na representatividade das corporações, todos representantes da opinião pública.

Carlos, não. É do tipo Twittero que pretende formar a opinião pública, com o uso das novas tecnologias que permitem inclusive a potencialização do alcance das mensagens com o uso de robôs e técnicas de disparos em massa de mensagens que desequilibram a disputa de ideias no espaço público.

A democracia representativa está sendo desvirtuada pelas mídias sociais, transforma-se em uma nova espécie de democracia direta. A ética da responsabilidade que Max Weber definiu para a atuação política não pode submeter-se à irresponsabilidade das redes sociais. O político, como ressaltava o próprio Weber, tem sua ética peculiar, mas quando ela se confronta com a ética da consciência, não pode prevalecer.

O homem moderno, de posse da tecnologia, dispensa intermediários e pretende assumir as rédeas do próprio futuro, interferindo nos governos, na política nacional. A contrapartida deveria ser uma classe política capaz de cumprir seus deveres, de assumir o papel contra-majoritário justamente para guiar, e não ser guiado.

A democracia representativa se apresenta em contraposição à democracia direta, que com o uso de plebiscitos e consultas populares, torna mais fácil assumir decisões difíceis. O prefeito do Rio, Marcelo Crivela, que anuncia pretender fazer um plebiscito para decidir se derruba a ciclovia Tim Maia é exemplar desse comportamento.

O surgimento de governos populistas seria, para alguns estudiosos, sintoma de uma época cujos fracassos só superaremos se nos engajarmos na defesa da política contra a democracia despolitizada. O novo ativismo, é individualista, isolado, orientado para questões de estilo de vida e crescentemente apolítico. A democracia representativa sofre, segundo esses especialistas, com a ambivalência de cidadãos cujas demandas desarticuladas são frequentemente contraditórias.

O cidadão empoderado não tem responsabilidade por suas opiniões nas redes sociais, e os políticos e governantes não podem resolver que a solução é seguir a maioria que se expressa nas redes sociais, que certamente não representa a maioria dos cidadãos e pode muito bem estar sendo manipulada.

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