sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Monica De Bolle*: Em nome do quê?

- Época

Contudo, o presidente jamais disse em nome de que faria política econômica.

A democracia brasileira está em risco? Para responder a essa pergunta, a Companhia das Letras reuniu cientistas políticos, sociólogos, historiadores, economistas e especialistas em Direito e publicou 22 ensaios em livro, já disponível sob o título Democracia em risco?. Contribuí para o livro com um texto sobre minhas primeiras impressões a respeito do bolsonarismo. Mais especificamente, o intuito era tentar entender em nome de que se fará a política econômica no Brasil. Afinal, em muitos aspectos o bolsonarismo é, sim, uma ruptura com nosso passado, ao menos desde a redemocratização.

A política econômica sempre foi feita em nome de alguma coisa. Durante a primeira metade dos anos 90, ela foi feita em nome da inflação, ou melhor, em torno da necessidade de reduzir a inusitada inflação brasileira, que por mais de 20 anos ficou acima dos 500% anuais. O Brasil é dos raríssimos casos no mundo em que a hiperinflação virou um modo de vida por quase duas décadas. Depois que o Plano Real deu fim à enorme mazela, a política econômica passou a ser formulada para lidar com os tropeços da segunda metade dos anos 90 — nessa época, vimos crises financeiras em série nos mercados emergentes. Essas crises trouxeram grande instabilidade para a economia brasileira em momento delicado, quando os ganhos e avanços do Plano Real ainda não estavam plenamente consolidados. Foi uma época complicada, com ramificações políticas que conosco permaneceriam até os dias de hoje. Ainda há quem fale na herança maldita de FHC, embora tenha sido em seu governo que foram plantadas algumas das sementes mais importantes da estabilidade econômica.

No início dos anos 2000, a política econômica mudou sutilmente de norte. Embora a estabilidade macroeconômica continuasse a ser o principal objetivo, o Brasil havia avançado o suficiente para que outros objetivos pudessem ser contemplados. Foi a época em que a política econômica foi feita, também, em nome da redução das desigualdades de renda, da formalização do mercado de trabalho, da diminuição da pobreza. Ou seja, o governo FHC e os governos petistas — por mais manchados que estejam estes últimos pela corrupção — fizeram política econômica em nome da melhoria de vida das pessoas. E, por mais que se queira demonizar Lula, o fato é que ele — como FHC — deixou um legado além da corrupção.

Nos anos Dilma, a política econômica mudou de configuração: a estabilidade macroeconômica ficou de lado e a busca pelo crescimento que se perdia com a reversão do quadro global se tornou mais importante, sob o argumento de que só dessa maneira seguiria o país garantindo os ganhos sociais vistos em anos anteriores. O foco no crescimento como único objetivo levou o governo Dilma a adotar um amontoado de medidas econômicas incoerentes, que acabariam por desaguar na recessão de 2015 e 2016, também agravada pelas revelações da Lava Jato e pela paralisia de diversos setores fundamentais, como o de construção civil.

Esse arco histórico é necessário para que se possa pensar na pergunta que intitula este artigo. É fato amplamente citado que Bolsonaro não falou sobre a agenda econômica nem durante a campanha, nem depois da posse. Houve menções às privatizações aqui e acolá, referências à reforma da Previdência, platitudes acerca da necessidade de abrir a economia brasileira.

E, vejam bem, quem tem de dizer isso é o presidente eleito, não o ministro da Economia ou qualquer outro integrante técnico do governo. Se Bolsonaro jamais disse em nome de que formularia a política econômica, houve alusões de sobra ao nome de Deus, o que não surpreende. Afinal, o bolsonarismo tem como principal fiadora a ideologia ultraconservadora da nova direita religiosa do Brasil. A ministra Damares Alves a ilustra bem, assim como o ministro Ernesto Araújo. Essa ideologia não tem interesse na agenda econômica do país, seja por falta de conhecimento, por desinteresse ou pela prioridade que dá à retrógrada agenda de costumes que defende. Nunca antes na história deste país — ao menos não nos últimos 30 e poucos anos — tivemos uma agenda econômica tão desligada do núcleo político do governo.

Não quero dizer com isso que há sombra ominosa sobre a economia brasileira. Quero apenas dizer que a resposta à pergunta que encabeça este artigo é, por enquanto: em nome de nada.

*Monica De Bolle é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics

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