domingo, 10 de fevereiro de 2019

Parlamentares tentam calibrar relação com redes sociais

Novatos começaram a testar, com ‘lives’ e enquetes, se a pressão popular ajuda ou atrapalha seus mandatos

Natália Portinari | O Globo


BRASÍLIA - Parlamentares eleitos com a ajuda das redes sociais já começaram a testar, na estreia do Congresso, se a pressão popular pode ajudar ou atrapalhar seus mandatos. Enquanto novatos contam com “lives” e enquetes para sondar seus seguidores, deputados experientes são mais céticos quanto à relação entre internet e plenário. Os deputados Joice Hasselmann (PSL-SP), Sargento Fahur (PSD-PR), Boca Aberta (PROS-PR) e o senador Jorge Kajuru (PSBGO) estão entre os que prometem fazer enquetes para definir voto. O método foi testado por Kajuru na eleição à presidência do Senado, no início do mês. Ele votou em David Alcolumbre (DEM-AP) após três enquetes no Facebook. —Não votei no Davi, quem votou foi o meu seguidor. Eu teria votado no Reguffe (Sem partido-DF). Decidi inaugurar uma nova forma de votações polêmicas —disse o senador, que se gaba de ter trinta contas oficiais nas redes.

‘SEM CONSISTÊNCIA’
À exceção de alguns estreantes, porém, a ideia sofre rejeição. O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), da bancada evangélica, lembra que “no caso de Jesus, o povo mandou soltar Barrabás e mataram o Cristo; nem sempre a maioria está com razão”. O próprio Kajuru reconhece que precisa melhorar o método para evitar “votos” de robôs. —Deputados sem nenhuma trajetória política foram eleitos sob o calor das redes sociais. Alguns vão querer dar continuidade ao mandato da forma como foram eleitos, mas isso não dá consistência. Eles precisam estudar os temas e ter posicionamentos sólidos para tomar posições —afirma André Figueiredo (CE), líder do PDT na Câmara. A deputada Tabata Amaral (PDT-SP), por exemplo, lançou o aplicativo “Poder do Voto”, em que é possível “verificar se o seu representante está votando de acordo com o que você pensa ou não”, mas acredita que a melhor forma de diálogo com a população é nas ruas, não com enquetes.

Kim Kataguiri (DEMSP), um dos dois deputados mais jovens dessa legislatura, também não vê futuro em se pautar pela pressão popular.

—É para isso que serve uma democracia representativa. Democracia direta não funciona. A população não consegue deliberar sobre todos os temas ou obter consensos com a profundidade necessária — afirma Kim Kataguiri. Deputados ouvidos pelo GLOBO colocam a reforma da Previdência como o primeiro grande teste dessa forma de atuação. O deputado Sargento Fahur, um dos 15 mais votados do país, diz que as redes sociais, com as quais foi eleito, podem atrapalhar a votação da reforma proposta pelo governo. —Ninguém quer perder direitos. Eu sou um policial aposentado, e não quero dar a impressão de que eu tenho um benefício e não quero que outras pessoas tenham. Quem tem o ônus de mostrar para a população a necessidade dessas reformas é o governo, não nós —afirmou.

PRESSÃO
A pressão é minimizada por outros deputados. Joice Hasselmann, segunda deputada mais votada da Câmara, afirma que não basta ter seguidores nas redes. É preciso ter força para convencê-los das suas posições. —Estou acostumada com pressões. Acho que o eleitor tem que pressionar mesmo. Em geral, explico tudo muito bem para o meu eleitor e ele entende. Fiz isso com Rodrigo Maia (DEM-RJ, atual presidente da Câmara dos Deputados).

Quando decidi apoiá-lo, apanhei dia e noite. Debati, expliquei e ganhei apoio da maioria —afirmou.

Um dos benefícios das redes sociais apontados por parlamentares é usar os seguidores para exercer pressão no Congresso. Na semana passada, em uma reunião fechada de deputados federais com o ministro da Justiça, Sergio Moro, Glauber Braga (PSOL-RJ), fez uma transmissão ao vivo para prestar satisfação aos eleitores.

—Foi uma forma de romper a barreira de uma reunião censurada. Vale lembrar que o coordenador daquela reunião proibiu a entrada da imprensa durante a exposição de Moro, ou seja, durante a maior parte da reunião —afirmou o deputado. Outros se preocupam, por outro lado, com o impacto negativo que os séquitos de seguidores nas redes podem ter sobre a democracia. Quando, sob ameaças, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) decidiu abandonar o mandato e deixar o Brasil, outros deputados, como Alexandre Frota (PSL-SP), foram às redes para atacá-lo. —Há muitas pessoas nas redes que não gostam das minhas posições e estão no meu perfil para tumultuar —afirma Sâmia Bomfim (PSOL-SP), acrescentando: —Redes sociais auxiliam na interação do parlamentar, mas não podem substituir as posições políticas apresentadas na plataforma eleitoral e nas concepções do partido e da bancada.

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