segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Poder Judiciário deveria se abster de legislar: Editorial | Valor Econômico

Não raro a imprensa noticia que um juiz mandou prender um secretário estadual ou municipal de saúde. Muitas vezes, o secretário recebe voz de prisão por ter desobedecido decisão judicial de fornecer ao cidadão queixoso medicamento inexistente na cidade, no Estado, às vezes no próprio país, que resultaria em elevado custo aos cofres municipais ou estaduais. Ou por não ter providenciado a internação de um determinado paciente, diante da inexistência de leitos.

Os juízes têm tomado suas decisões baseados no artigo da Constituição que diz que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido acesso universal e igualitário aos cidadãos. Nada mais amplo e, portanto, sujeito a todo tipo de interpretação. Basta conversar com um secretário de saúde para ouvir reclamações sobre a judicialização da saúde hoje no Brasil e os custos para o Estado ou município resultante desta realidade.

Não são apenas as finanças estaduais e municipais que sofrem o impacto das decisões judiciais. As despesas da União crescem também pelo mesmo motivo. Em agosto de 2018, por exemplo, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu estender aos aposentados que provem necessitar de acompanhante um adicional de 25% do valor da aposentadoria. O adicional era devido apenas aos aposentados por invalidez que necessitam da assistência permanente de outra pessoa, de acordo com a lei 8.213, de 1991.

Os ministros do STJ estenderam o benefício aos aposentados em geral, que necessitem de auxílio permanente de terceira pessoa, com base nos princípios fundamentais previstos na Constituição da "dignidade da pessoa humana" e da "isonomia". Eles entenderam também que a aplicação do benefício às demais modalidades de aposentadoria independe da prévia indicação da fonte de custeio. A decisão do STJ vai custar algo como R$ 5 bilhões por ano aos cofres públicos, de acordo com estimativas oficiais.

Preocupada com a repercussão de decisões judiciais sobre as finanças públicas, a atual equipe econômica incluiu na proposta de emenda constitucional (PEC) da reforma da Previdência uma regra para o futuro.

O texto da PEC determina que "nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido por ato administrativo, lei ou decisão judicial, sem a correspondente fonte de custeio total".

A lei complementar 101, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), estabelece que os atos que criarem ou aumentarem despesa obrigatória deverão ser acompanhados de estimativas do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes e declaração de que o aumento tem adequação com a lei orçamentária anual e com a lei de diretrizes orçamentárias. Além disso, os efeitos financeiros do ato que criou ou ampliou despesas devem ser compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de outros gastos.

A LRF não faz distinção se o ato é do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário. Os dois primeiros têm procurado seguir as determinações da lei fiscal, sendo que o Legislativo com grande relutância, é bom que se diga. Mas o Judiciário dá a entender que os dispositivos da LRF não se aplicam aos seus atos. A proposta que consta da PEC procura enquadrar o Judiciário na regra fiscal. A questão, no entanto, é saber como isso será observado na prática.

É difícil acreditar que um juiz deixará de decidir sobre uma causa com o argumento de que não pode fazê-lo por não haver previsão de custeio para a despesa decorrente do seu ato. Do contrário, a Justiça não estaria sendo feita por falta de custeio. Mesmo que o Judiciário decida que o ato precisa de prévia indicação de fonte de custeio, como ele agirá? Adiará sua decisão até que a fonte seja definida? Encaminhará projeto de lei ao Congresso propondo uma fonte de recursos para a despesa decorrente do ato? Essas são algumas dificuldades de aplicação da regra que está na PEC.

Há situações distintas que precisam ser analisadas. A decisão do STJ, por exemplo, foi apertada, por 5 votos a 4. Ela não parece ser uma interpretação da legislação em vigor, mas uma ampliação da lei 8.213, atribuição que deve ser do Congresso Nacional.

O Judiciário deveria se abster de legislar. Este já seria um passo importante para conter o impacto de suas decisões nos bolsos dos contribuintes.

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