- O Estado de S.Paulo
Alvos poderosos querem desqualificar operação que investiga fraudes tributárias
O vazamento de dados sigilosos da Receita Federal relacionados a agentes públicos que foram alvo de um pente-fino mergulhou o órgão na mais grave crise institucional da sua história. Nenhuma das crises mais recentes pelas quais passou o Fisco brasileiro o colocou em atrito com poderes diversos como Judiciário, Congresso, Ministério Público e o Tribunal de Contas da União (TCU).
Em jogo, está a atuação da fiscalização da Receita que colocou um time de elite de auditores, no ano passado, para investigar indícios de fraudes tributárias de agentes públicos. A operação chegou a alvos poderosos que agora se movimentam para desqualificar a operação, com a pecha de ser comparada a uma espécie de “Gestapo” de um Estado policialesco no País.
Dos 134 agentes públicos mapeados pela Equipe Especial de Programação de Combate a Fraudes Tributárias (EEP Fraude), que demonstraram a necessidade de análises adicionais, 79 foram descartados em um segundo momento por falta de indícios concretos. Do restante, 20 agentes públicos são alvo de investigação, 17 possuem procedimento agendado e outros 26 estão “sob análise para programação”.
Os nomes não foram divulgados. Mas o vazamento a conta-gotas de que integrantes do alto escalão do Judiciário, entre eles o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes; Roberta Maria Rangel, mulher do presidente do Supremo, Dias Toffoli; e a ministra Isabel Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estavam em uma lista preliminar do grupo provocou um contra-ataque sem precedentes à atuação da fiscalização da Receita.
Movimentação de parlamentares e do Judiciário está em curso para a elaboração de projeto de lei que restrinja a atuação da fiscalização da Receita, como mostrou reportagem de domingo passado do [BOLD]Estado[/BOLD]. Dentro do Fisco, a cobrança recai sobre o secretário especial Marcos Cintra, que não saiu, ainda, em defesa do EEP Fraude e dos auditores. A crise foi parar Tribunal de Contas da União (TCU). O ministro Bruno Dantas, do TCU, acatou pedido do Ministério Público de Contas e ordenou a abertura de uma inspeção na Receita.
É evidente que o desconforto de agora é muito parecido com o que ocorreu em anos passados no início da Operação Lava Jato, que colocou na cadeia políticos e empresários poderosos do País.
O vazamento dos dados preliminares é de fato gravíssimo. Deve ser apurado com a máxima rapidez pela Corregedoria da Receita e a Polícia Federal. Mas não pode servir de bandeira para abafar o trabalho da fiscalização. Se há erros na investigação, que sejam corrigidos. É importante identificar quem lucrou com o vazamento e se beneficiará com o ataque ao trabalho dos fiscais. Disputas por cargos de comando na Receita, inclusive com indicações políticas, também alimentam a crise.
No caso do ministro Bruno Dantas, que ao autorizar uma inspeção na Receita argumenta a necessidade de se apurar “o possível impacto financeiro do desvio da correspondente força de trabalho nas atividades de arrecadação tributária”, valeria uma leitura sobre como o trabalho da Receita tem resultado em arrecadação aos cofres públicos.
Esse mesmo modelo de trabalho desempenhado pelo EEP Fraude, na Lava Jato, resultou em R$ 18 bilhões em autuações. Dinheiro que, além de não entrar nos cofres públicos, seria utilizado para abastecer o círculo vicioso da corrupção.
Enquanto TCU, deputados e integrantes de outros poderes se arvoram para atacar a Receita, não se vê – e nunca se viu – movimentação no mesmo sentido quando foi divulgado que 40% dos contribuintes autuados em decorrência de envolvimento em crimes praticados na Lava Jato conseguiram se “livrar” de parte das dívidas por meio do Refis do governo Temer.
A operação tem de continuar. Não pode haver retrocesso.
Meus parabéns é assim que se faz jornalismo.
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