sexta-feira, 22 de março de 2019

Agora é para valer: Editorial / O Estado de S. Paulo

Com o encaminhamento do projeto de mudanças nas aposentadorias dos militares (leia o editorial A reforma dos militares), nada mais falta para que a reforma da Previdência comece a ser discutida para valer no Congresso. Não há mais desculpas para a inação do governo, que no entanto parece sem saber o que fazer para arregimentar o necessário apoio à reforma. Abundam sinais de que os responsáveis pela articulação política, a começar pelo próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, não estão conscientes do grau de descontentamento dos parlamentares com o governo, mesmo entre os que supostamente integram a base. Não é um bom começo de conversa.

Levantamento feito pelo Estado mostrou o tamanho do desafio: dos 308 votos necessários para aprovar a reforma da Previdência na Câmara, o governo conta por ora com o apoio de apenas 180 deputados, numa consulta feita a 501 dos 513 parlamentares. Entre os entrevistados, 228 preferiram não declarar o voto.

Dos 180 que se disseram favoráveis, 119 condicionaram seu apoio a mudanças no texto encaminhado pelo governo, e apenas 61 disseram aceitar a reforma tal como foi proposta. Ou seja, mesmo entre os que se dispõem a aprovar a reforma existe uma forte demanda por negociação.

O problema se afigura ainda mais complexo quando se observa que, dos 54 deputados do PSL, partido do presidente Bolsonaro, apenas 28 declararam apoio à reforma exatamente como o governo encaminhou. Já no DEM, partido que tem o maior número de ministros, inclusive aquele que é oficialmente o principal articulador político do governo, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, somente 4 dos 27 deputados declararam aceitar a proposta do governo sem mudanças.

O presidente Bolsonaro insiste que a “nova política”, que ele diz representar, não admite mais a realização de negociações nas bases fisiológicas que marcaram as relações do governo com o Congresso praticamente desde a redemocratização do País. O problema é que o presidente não parece saber o que vem a ser exatamente essa “nova política” e tem antagonizado desnecessariamente os parlamentares, como se qualquer forma de negociação estivesse interditada a priori por ser considerada prática da “velha política”.

Enquanto isso, a militância bolsonarista nas redes sociais é incitada a atacar os políticos, como se o País ainda estivesse em campanha eleitoral, criando clima francamente desfavorável ao diálogo. O próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que vem articulando a aprovação da reforma, queixou-se de agressões virtuais que vem sofrendo de bolsonaristas, que o acusam de querer “achacar” o governo. O presidente Bolsonaro, até agora, nada fez para desautorizar esses ataques. Tampouco fez algo de realmente significativo para convencer os parlamentares de que acredita na reforma que encaminhou - e essa hesitação do governo, dada a impopularidade do tema, obviamente desencoraja o apoio no Congresso.

Desde o princípio, Bolsonaro sustentou que a proposta de reforma que seu governo apresentou deveria ser “aperfeiçoada” pelos parlamentares, indicativo de que nem ele mesmo estava disposto a bancar alguns pontos da emenda, a começar pela idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres. Paradoxalmente, esse é um dos pontos que tiveram o maior apoio entre os parlamentares consultados pelo Estado na enquete - chegariam a 100 os votos favoráveis a essa medida. Isso pode indicar que ainda há um clima minimamente simpático à reforma no Congresso, inclusive em seus aspectos mais espinhosos, mas a manutenção dessa disposição e a ampliação do apoio dependem agora exclusivamente do esforço do governo e, em especial, do presidente Bolsonaro.

Para começar, seria bom que o governo evitasse misturar a reforma da Previdência com temas fora de lugar neste momento, como a reestruturação da carreira dos militares. Não é prudente dar a impressão de que o presidente privilegia certos setores ao mesmo tempo que pede sacrifícios aos brasileiros em geral. Os parlamentares, seja os remanescentes da “velha política”, seja os eleitos na onda da “nova política”, não costumam responder bem a esse comportamento ambíguo por parte do governo.

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