domingo, 17 de março de 2019

Cardápio conservador

Brasil e EUA buscam uma nova relação sob Bolsonaro e Trump

“Nenhum governo anterior no Brasil assumiu essas posições, só no início de 1964 com (o embaixador) Juracy Magalhães”
Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington

“Os EUA têm uma oportunidade real de aumentar a cooperação em segurança, economia e diplomacia com o Brasil”
Marco Rubio, senador republicano

“O que une os conservadores sociais, os militares e os Chicago boys do governo é a vontade de se aproximar dos EUA”
Matias Spektor, professor da FGV

Paola de Orte e Eliane Oliveira / O Globo

WASHINGTON E BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro desembarca hoje em Washington. Com a chegada ao país de Donald Trump, dá curso ao maior alinhamento ideológico do Brasil com os Estados Unidos em mais de 50 anos. O primeiro compromisso do presidente Jair Bolsonaro ao desembarcar hoje em Washington será um jantar na residência do embaixador do Brasil, Sergio Amaral. Entre os convidados, além da comitiva do presidente e de Olavo de Carvalho, o guru do bolsonarismo que mora no estado americano da Virgínia, estão representantes de diferentes correntes da direita americana, como o ex-estrategista de Donald Trump Steve Bannon, a colunista do Wall Street Journal Mary Anastasia O’Grady, o editor da revista literária The New Criterion, Roger Kimball, o acadêmico Walter Russell Mead e o executivo do mercado financeiro de Nova York Geraldo Brant.

O jantar — que terá no cardápio mousse de caviar, bife Wellington e quindim, além de caipirinha como aperitivo — simboliza a comunhão de ideias entre Bolsonaro e seu colega americano. É a partir dessa afinidade ideológica que o governo brasileiro busca consolidar um alinhamento com os Estados Unidos que, segundo diplomatas e analistas, pode ser o maior em mais de meio século. Bolsonaro é 16° chefe de Estado brasileiro a visitar os Estados Unidos, e há outros aspectos em que o programa da visita reflete o perfil de sua Presidência. Enquanto em sua primeira viagem oficial a Washington, em 2003, Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu com sindicalistas, e Dilma Roussef em 2015 quis conhecer o monumento a Martin Luther King, na terça-feira Bolsonaro se reunirá com lideranças religiosas e dará uma entrevista à Christian Broadcast Network, rede de televisão fundada em 1960 pelo televangelista Pat Robertson.

HÓSPEDE ESPECIAL
Rubens Barbosa, que foi embaixador do Brasil em Washington entre o governo de Fernando Henrique Cardoso e o de Lula, não vê grandes diferenças entre as agendas concretas da viagem atual e as de presidentes anteriores. Segundo ele, o que chama a atenção no novo ciclo das relações bilaterais é o elevado nível de afinidade ideológica, além da declarada prioridade dada a Bolsonaro por Trump, que enfrenta choques com a China e com os aliados europeus dos EUA: — Nenhum governo anterior no Brasil assumiu essas posições, só no início de 1964 com Juracy Magalhães (então embaixador brasileiro em Washington).

Para Roberto Abdenur, que chefiou a embaixada no primeiro mandato de Lula, a visita será positiva para melhorar o relacionamento bilateral, mas há risco de um alinhamento automático atrapalhar a relação do Brasil com outros parceiros, como Europa, China e mundo árabe:

—Nossa política externa já está prejudicada pela preferência de Bolsonaro por se aproximar de países que comunguem da mesma ideologia que ele sustenta. As coisas ficarão ainda piores se nos atrelarmos aos EUA. Nossa inserção internacional será gravemente limitada.

Segundo Abdenur, há boas perspectivas nos acordos que deverão ser firmados de promoção de comércio e investimentos e intercâmbio militar, além do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, que poderá permitir o uso da Base Espacial de Alcântara para o lançamento de satélites dos EUA e de outros países que usam tecnologia americana. Na visita, também estão em jogo um possível apoio da Casa Branca à candidatura brasileira à OCDE( Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e um convite para que o Brasil receba o status de “aliado extra-Otan”, passando ate ruma relação militar preferencial com os EUA.

O embaixador aposentado receia, porém, que Bolsonaro ceda a Trump em questões como o esfriamento da relação coma China e a transferência da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém:

—Temo que Bolsonaro seja pusilânime e concorde com algumas das colocações de Trump.

Bolsonaro ficará hospedado na Blair House, residência de hóspedes do presidente americano, o que é representativo das boas relações que vem cultivando com Trump desde a campanha eleitoral. De sua comitiva, fazem parte o chanceler Ernesto Araújo e os ministros da Justiça, Sergio Moro; da Economia, Paulo Guedes; da Agricultura, Tereza Cristina; de Minas e Energia, Bento Albuquerque; de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes; e do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) também acompanhará o pai.

Além das questões bilaterais, a crise na Venezuela podes e rum dos principais temas da visita. Na terça-feira, o primeiro encontro do presidente será com o secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), Luis Almagro. Tanto Almagro quanto a Casa Branca se empenham para que a mudança de regime no país sul-americano ocorra logo, e temem que Nicolás Maduro acabe se perpetuando no poder.

—A visita do presidente brasileiro aos Estados Unidos é oportuna porque ambas as nações estão ativamente trabalhando para ajudar o povo da Venezuela a acabar com a crise humanitária do país e restaurara ordem democrática— disse ao GLOBO o senador republicano Marco Rubio, tido como um dos principais estrategistas da política da Casa Branca para Caracas.—Os Estados Unidos têm uma oportunidade emergente e real de aumentara cooperação em segurança, economia e diplomacia com o Brasil sob Bolsonaro, e espero que possamos tirar o melhor disso.

SÓ TRADUTORES
O encontro com Trump será também na terça: Bolsonaro será recebido no Salão Roosevelt e depois segue para o Salão Oval para uma reunião privada com o presidente, coma presença apenas de tradutores. Depois, os dois irão ao Rose Garden, o jardim da Casa Branca, para uma declaração à imprensa.

No mesmo dia, Bolsonaro visitará o cemitério militar de Arlington, onde são enterrados os mortos em guerras. Com essa visita e a assinatura do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, o presidente atende a vertente militar do seu governo. Para Matias Spektor, professor da Fundação Getúlio Vargas, a visita será considerada um sucesso por Bolsonaro por uniras três diferentes vertentes que o apoiam.

—Ele está tendo que montar um governo com base em três grupos muito diferentes: os conservadores sociais, muito influenciados pelo crescimento dos evangélicos na política, os militares e os Chicago boys do mercado financeiro. O que une esses três grupos agora é a vontade de se aproximar dos EUA — disse o professor em evento na semana passada no centro de estudos de Washington Inter-American Dialogue.

Segundo Spektor, um indicador da “importância crucial” da visita para Bolsonaro é o fato de ela romper uma tradição da Nova República: —É o primeiro presidente em 30 anos de democracia que optou por fazer sua primeira visita oficial aos EUA, e não à Argentina.

O último compromisso do presidente em Washington é um jantar na terça com o assessor de Segurança Nacional, John Bolton, que esteve no Brasil em janeiro. Depois, ele retorna a Brasília.

Nenhum comentário:

Postar um comentário