quinta-feira, 7 de março de 2019

Ciclo de expansão da economia global está perto do fim: Editorial / Valor Econômico

Os motores da economia mundial estão perdendo força e os riscos de uma desaceleração forte aumentaram. Depois de o Federal Reserve decidir interromper seu ciclo de alta dos juros, hoje deve ser a vez do Banco Central Europeu abandonar qualquer perspectiva de aperto de liquidez e, ao contrário, sinalizar que novas rodadas de injeção monetária podem ser necessárias. A zona do euro está mais perto da recessão, mesmo com juros negativos há meia década.

Os últimos números sobre a indústria e serviços mostram um enfraquecimento geral das atividades nos principais países do mundo. Os Estados Unidos estão descendo do pico de crescimento, de 4,2%. O PIB encerrou o ano com avanço de 2,6% (sujeito a revisões) e caminha para 2%, sua tendência de longo prazo, em 2020. Esse declínio gradual, e ainda distante de recessão, pode ser acelerado pelo aumento dos riscos globais. Donald Trump não encerrou ainda sua guerra comercial com a China, nem sua escalada protecionista, cujos primeiros resultados foram ruins. O EUA tiveram em 2018 o pior déficit comercial em uma década, de US$ 621 bilhões. O esfriamento europeu e das economias asiáticas dão um viés de baixa às projeções de crescimento do país.

No Congresso Nacional do Povo, a China confirmou que segue em trajetória lenta, segura e gradual rumo ao desaquecimento. O primeiro ministro Li Keqiang, disse ontem que a economia vive momentos difíceis e traçou a meta de crescimento para algo entre 6% e 6,5%, abaixo dos 6,5% de 2018. Estimativas de analistas privados indicam que a China já está crescendo abaixo disso. Novos impulsos fiscais e monetários têm sido aplicados para obter o que os dirigentes do PC chinês querem.

A segunda maior economia do mundo caminha mais devagar sob o peso de um enorme fardo de dívidas - 230% do PIB, e crescendo. O governo faz a sintonia fina de uma política de estímulos contínua, que visa fazer o dinheiro chegar a pequenas e médias empresas, diminuir o peso dos impostos em setores em crise como o automobilístico e reduzindo imposto de renda para os consumidores, ao mesmo tempo em que pacotes de investimentos em infraestrutura anunciados atingem cerca de US$ 250 bilhões. O PC busca um equilíbrio delicado, pois precisa desincentivar simultaneamente o mercado bancário paralelo e o setor imobiliário, origem de bolhas de crédito ainda não estouradas.

Os indicadores chineses mostram aumento da fragilidade. A indústria voltou a se contrair em fevereiro, quando atingiu seu menor nível em três anos. O emprego nas indústrias exportadoras cai há 64 meses, da mesma forma que diminuem as encomendas externas. A ofensiva tarifária de Trump coloca mais dificuldades em um complexo processo de redirecionamento da economia. O comportamento da China arrasta consigo as demais economias asiáticas. O Japão continua com expansão baixa e instável. A indústria se retraiu em fevereiro e as exportações no mês tiveram a maior queda desde outubro de 2016. Os índices de gerente de compras da indústria mostram também encolhimento na Tailândia e Malásia, e recuo no Vietnã e Filipinas.

O ambiente tornou-se propício para surpresas negativas. Crescimento em queda torna mais difícil pagamento de dívidas e no mercado corporativo (bonds) empilham-se hoje US$ 1,3 trilhões em títulos, o dobro do que existia na crise de 2008. Os papéis dos emergentes compõem 15% do total, e os das endividadas empresas chinesas, a metade disso. Por outro lado, os juros muito baixos ou negativos incentivam a tomada de riscos.

Os elevados déficits nos países desenvolvidos tornam difícil executar políticas de estímulos fiscais em caso de recessão, em um momento em que a normalização da política monetária foi prematuramente interrompida, com trilhões de dólares ainda nos ativos dos principais bancos centrais. No auge da recuperação pós-crise de 2008 a inflação não disparou e o risco volta a ser o de um mergulho paulatino dos preços. Isto encontrará o BC sem novas armas para enfrentar a crise.

O temor de fortes desvalorizações cambiais nos emergentes é possivelmente menor agora. O dólar tem-se valorizado porque a economia americana está em muito melhor forma que as demais e a moeda é o refúgio seguro em tempos de crise. Além disso, em relação aos fundamentos, o real encontra-se mais perto do equilíbrio. Fora a desvalorização, que pode ser limitada, haveria um alto risco se os juros subissem muito no exterior. Não é o que deve ocorrer. As ameaças para a economia brasileira vem mais do cenário interno e se materializarão se o governo não for capaz de colocar sua dívida em trajetória de declínio sustentável.

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