quarta-feira, 6 de março de 2019

Dinheiro público estimula mercado de partidos: Editorial / O Globo

Legislativo e Judiciário ajudaram a fragmentar de forma excessiva a representação política

A aprovação da reforma da Previdência Social é reconhecida como necessária e urgente, mas vai exigir uma inédita negociação do governo com 30 partidos na Câmara e 21 no Senado.

Os plenários do Legislativo espelham a desagregação. Quatro anos atrás, 27 partidos coabitavam a Câmara, agora são 30. No Senado, contavam-se 15, agora são 21. Números da Justiça Eleitoral; consideram, portanto, a aplicação da cláusula de barreira.

Individualmente, as maiores bancadas não somam 12% dos 513 votos disponíveis na Câmara e 15% dos 81 no Senado. Três deputados e seis senadores são líderes deles mesmos.

Não se pode atribuir ao grande número de partidos a responsabilidade exclusiva por crises. É certo, porém, que esse nível de fragmentação, dos mais elevados do mundo, restringe a eficácia do Executivo e do Legislativo nos processos de decisão e execução de políticas públicas.

O problema se agrava. A cada 40 dias surge um novo partido político no país. A Justiça Eleitoral já reconheceu 35. Desses, três dezenas conseguiram eleger representantes ao Congresso. Há outros 74 “em formação”, ou seja, reivindicando legitimação no Tribunal Superior Eleitoral.

A experiência brasileira nas últimas décadas sugere que a alta dispersão partidária no Congresso não inviabiliza a governabilidade. Porque o Executivo encontrou formas de contorná-la. O governo recorre, até com frequência muito além da real necessidade, a meios institucionais como a edição de Medidas Provisórias e pedidos de urgência na tramitação, além da cooptação de parlamentares. Assim, induz o Legislativo à cooperação. Quanto mais ampla a negociação, maior tende a ser o custo de governabilidade.


O problema, realmente, está na “jabuticaba” . Em nenhum país com elevada fragmentação partidária o registro oficial de uma legenda permite acesso a recursos públicos. Só no Brasil. Um partido com 3 mil sócios seque elegeu um só vereador em um quarto de século de existência, como o Causa Operária, recebe R$ 1,2 milhão anuais do orçamento federal. Outro com um deputado federal, como o Pátria Livre (ex-MR-8), garante R$ 2,2 milhões do Erário.

Agora, começa a ser revelado um novo artifício, o dos candidatos laranjas. Eleitoralmente inviáveis, apresentam um custo por voto recebido na faixa dos R$ 30 mil. Vários já foram detectados no PSL do presidente Jair Bolsonaro e em mais de uma dezena de partidos.

O conjunto dessas anomalias deixa clara a necessidade de uma reforma política, eleitoral e partidária. A elevada fragmentação é produto de mercantilismo amparado por decisões erráticas do Legislativo e do Judiciário sobre organização, financiamento, fidelidade e barreiras. Consolidou-se um mercado no qual partidos servem de fachada a negócios de alta rentabilidade para alguns poucos, financiados com recursos legalmente garantidos no orçamento público — ou seja, sustentados por toda a sociedade.

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