- O Globo
Pelo menos, houve uma vitória sobre a tese do crime perfeito no caso Marielle
Os dois fatos da semana no Brasil, o massacre de Suzano e a prisão dos matadores de Marielle Franco, inspiram posições firmes. Mas, vistos de perto, são na verdade uma espécie de areia movediça. Na verdade, a imagem que tenho é de um nevoeiro. Como tantas coisas na vida, precisamos navegar nele com cuidado, pois não temos ainda a visão completa da cena.
No caso de Suzano, falou-se na influência dos games? Mas temos poucas pesquisas nesse campo, e não indicam isto até agora. Bullying? Também se fala muito, mas cravar que a causa é bullying, de certa forma, é culpar as vítimas.
Assim como nos Estados Unidos, certamente haverá um debate sobre controle de armas. E os argumentos aqui parecem os de Trump, que aconselha aos professores uma arma de fogo.
O momento ainda é de velar os mortos e buscar o maior número de informações sobre os atiradores. O que se pode obter também, como nos Estados Unidos, é uma espécie de perfil dos criminosos e um inventário de traços comuns entre eles.
O caso Marielle também é um nevoeiro. Fiz um programa de TV sobre o tema, fui ao território das milícias em Gardênia Azul e Rio das Pedras. Confiava no caminho do delegado Giniton Lages, embora não o tenha entrevistado. Conheci Giniton como delegado de Homicídios na Baixada. Eu trabalhava num programa sobre a série de assassinatos de vereadores do interior, mortes que escaparam do radar da grande imprensa.
Alguns foram mortos pelas milícias, depois de serem eleitos por elas. Giniton parecia um conhecedor da ação e das táticas milicianas. Enquanto o visitei, ele conseguiu desmontar um grupo que roubava a Petrobras, não com propinas e superfaturamento, mas na veia: desviava o petróleo dos dutos para vendê-lo na Baixada.
Acontece que, no meio do caso Marielle, Raul Jungmann denunciou que as investigações estavam sendo bloqueadas. Raquel Dodge se mexeu, a própria Polícia Federal decidiu investigar as próprias apuracões da polícia do Rio.
Não pretendo ver muito no nevoeiro. Mas a grande esperança que tinha era no trabalho tecnológico. Por mais planejado que fosse o crime, dificilmente conseguiria despistar a teia de câmeras e o exame da rede telefônica naquele lugar, naquelas horas.
A verdade é que mesmo esse detalhe foi pensado por eles. Compraram um aparelho para neutralizar essas pesquisas que dependem do cruzamento de dados. Mas não funcionou. O telefone de Ronnie Lessa foi detectado dentro do Cobalt no cenário do crime.
Isso pode ser uma ajuda no nevoeiro. Fala-se em delação premiada dos criminosos. Não creio. Confio no mesmo difícil caminho de cruzar ligações, vasculhar contas bancárias, detectar relações comerciais. Ronnie tinha casas caras, carros e barco. A delação premiada, nesse caso, é a lei do menor esforço.
Certamente, existem muitas escaramuças para tornar o nevoeiro mais denso, inclusive a plantação de falsas testemunhas. O ideal seria preservar o caminho tecnológico dessas sabotagens internas.
Será preciso desvendar em toda a sua extensão o chamado Escritório do Crime. Não creio que a fórmula seja decisiva para evitar os assassinatos mercenários. Mas pelo menos joga esse tipo de crime numa fase anterior e desorganizada, reduz sua capacidade.
O atirador Ronnie Lessa morava no mesmo condomínio do presidente Bolsonaro. A promotora afirmou que isto é irrelevante, pois não temos controle sobre a vizinhança. Acho indiscutível esse argumento. Vizinhos são vizinhos. Mas, do ponto de vista da segurança institucional, é preciso mais curiosidade sobre os vizinhos de um presidente que já foi vítima de atentado.
Ronnie é um grande matador, passou por explosões, tiroteios, tinha explosivos na sua casa e importou 117 fuzis, que valem em torno de US$ 1 milhão.
Da varanda de sua casa, ele podia ver a janela do quarto da filha do presidente. Meu argumento é risível para os que estão mergulhados na luta ideológica. Dirão: o perfil do criminoso era o de um grande inimigo da esquerda, jamais faria mal a Bolsonaro.
Entra aí a pequena divergência. Ele é visto como um matador ideológico. Mas, na verdade, é também um matador profissional. Na primeira condição, é inofensivo; na segunda, um perigo como vizinho do presidente de qualquer país no mundo.
Essa vizinhança, independentemente de qualquer ilação, é um dado político no Rio. A cidade é um campo minado.
Pelo menos, houve uma vitória sobre a tese do crime perfeito no caso Marielle. Do ponto de vista criminal, é um estímulo para que o método científico e tecnológico seja mais usado no Brasil. Aqui no Rio, ainda navegamos num nevoeiro. Tudo o que temos agora é o fio da meada, um pequeno rastro de luz.
Quem matou Marielle jamais mataria Bolsonaro,fazem parte do mesmo balaio.
ResponderExcluir