quarta-feira, 6 de março de 2019

Hélio Schwartsman: Dignidade e justiça

- Folha de S. Paulo

Certos termos dão ótimas bandeiras, mas, por serem conceitos abertos, são menos úteis para nortear a tomada de decisões em situações concretas

“Dignidade da pessoa humana” e “justiça social”. Esses termos dão ótimas bandeiras políticas, mas se tornam menos úteis se tentarmos utilizá-los para tomar decisões informadas sobre situações concretas. O problema é que eles são conceitos abertos demais. Como significam qualquer coisa, acabam não significando muita coisa.

Tomemos a “dignidade humana”. Dependendo do freguês, o termo pode ser usado tanto para justificar o desligamento como o não desligamento das máquinas que mantêm vivo um paciente terminal. No caso da “dignidade”, até que a solução não é difícil. Num grande número de casos —mas não todos—, a expressão pode ser substituída, com enorme descomplicação conceitual, por “autonomia individual”.

O paciente que não queria ter sua existência prolongada artificialmente —e manifestou esse desejo enquanto podia— encontrará a sua “dignidade”, da mesma forma que aquele para o qual a vida é sagrada e não pode ser suprimida pela volição humana. Só o que não vale é um tentar impor a sua “dignidade”, que é pessoal e intransferível, ao outro.

“Justiça social”, que ganha destaque agora com a reforma da Previdência, não comporta solução tão simples. Com base em quais critérios podemos dizer que é justo que as mulheres (que vivem mais) se aposentem antes dos homens? Ou que o policial só tenha de contribuir por 30 anos, enquanto o domador de leões tenha de pagar o carnê por 35? Por que o professor deve receber um bônus de cinco anos, mas o lixeiro não faz jus a essa mesma vantagem?

Aqui, a única substituição descomplicadora que vislumbro é considerar que mecanismos concentradores de renda devem ser classificados sempre como injustos. Seria demais pedir que a Previdência resolva todas as iniquidades do país, mas é razoável esperar que ela não crie novas. Nesse contexto, a proposta de reforma do governo, se não for desfigurada no Parlamento, pode ser qualificada como socialmente justa.

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