quinta-feira, 14 de março de 2019

Matador da ditadura revela seus métodos em filme

Como delegado do Dops, Cláudio Guerra integrou operações como a Radar, que matou 19 pessoas

Naief Haddad / Ilustrada/ Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Antes do início da entrevista que é o fio condutor do documentário, Cláudio Guerra foi buscar a Bíblia. “Hoje eu tenho orgulho de ser um pastor”, diz ele logo no começo do filme dirigido por Beth Formaggini, que estreia nesta quinta (14).

Não foi, porém, orando e conduzindo seus fiéis que Guerra passou a maior parte de sua vida profissional.

Ao longo de 75 minutos de “Pastor Claúdio”, acompanhamos este homem de cabelos brancos respondendo às perguntas feitas pelo psicólogo Eduardo Passos.

No estúdio montado para a gravação da entrevista, em Vitória, onde Guerra vive, aparece a certa altura um painel de fotos dos líderes do PCB, o Partido Comunista Brasileiro, nos anos 1970.

Guerra indica um deles: “Esse foi executado por mim”. Em seguida, aponta para outro: “Esse foi morto na Casa da Morte em Petrópolis. Depois foi incinerado por mim em Campos [dos Goytacazes, no estado do Rio de Janeiro]”.

Guerra admite diante da câmera ter participado de episódios cruéis promovidos pela linha dura do regime militar. Como delegado capixaba do Dops, o Departamento de Ordem Política e Social, integrou operações como a Radar, que matou 19 integrantes do PCB entre 1973 e 1976.

Ele lembra que inicialmente tinha a função de “executor”. Como tal, assumiu o assassinato de nove militantes da esquerda —não só do PCB.

Ao conquistar a confiança de líderes da repressão, como o coronel Freddie Perdigão (1936-1996), Guerra se tornou responsável pelo planejamento de algumas das ações.

Passou a cuidar da incineração de corpos de ativistas que se opunham à ditadura militar. Guerra e sua equipe lançaram ao menos dez cadáveres no forno da usina Cambahyba, em Campos.

Diretora de produção de filmes importantes de Eduardo Coutinho, como “Edifício Master” (2002), Formaggini se interessou em levar ao cinema as histórias do ex-delegado depois de ler “Memórias de uma Guerra Suja” (2012), que reúne entrevistas dele aos jornalistas Rogério Medeiros e Marcelo Netto.

Para a cineasta, o que há de mais surpreendente nos relatos de Guerra não é um episódio específico, mas a frieza com a qual aborda os crimes que cometeu. “Minha bandeira era cumprir ordens”, afirma o ex-delegado, que se diz arrependido de sua atuação ao longo da ditadura militar.

Marcos Napolitano, professor de história da Universidade de São Paulo, assistiu ao filme a convite da reportagem.

“Bastante interessante e plausível no documentário é essa relação da repressão paralegal com o submundo do crime. O ponto de ligação são os policiais civis [caso de Guerra], que transitavam pelos grupos de extermínio”, diz.

Ações como a do ex-delegado, segundo o historiador, obedeciam a “uma lógica de guerra, paralela às leis”. Era um sistema “clandestino, mas tudo indica que havia uma cadeia de comando”.

De acordo com Napolitano, existe atualmente um “processo de apagamento das ações da ditadura”. “E muita gente embarca nessa onda.”

Beneficiado pela Lei da Anistia, de 1979, Cláudio Guerra jamais foi punido pelos crimes que cometeu.

Um comentário:

  1. E ainda há pessoas que falam que não houve ditadura e torturas,que horror!

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