domingo, 17 de março de 2019

Merval Pereira: O mal menor

- O Globo

Após a volta de democracia, apenas dois presidentes foram eleitos por projetos políticos: Fernando Henrique e Lula

O país vive há anos em busca do “salvador da pátria” e só consegue encontrar o “mal menor”, o “erro novo”. Assim Jair Bolsonaro foi eleito em 2018, Collor em 1989. Apenas dois presidentes depois da redemocratização foram eleitos por projetos políticos: Fernando Henrique em 1994, com o Plano Real, e Lula em 2002, apresentando-se como alternativa ao que chamava de projeto neoliberal. Os dois foram reeleito sem 1998 e 2006 esgotando as últimas reservas dos projetos vitoriosos. A reeleição, cada um a seu tempo, pareceu à maioria o “mal menor”. Fernando Henrique reeleito no primeiro turno, temendo ser derrotado se disputasse o segundo. Lula ficou deprimido ao não conseguir vencer no primeiro turno, quando o então governador tucano Geraldo Alckmin teve uma votação espantosa de 41% dos votos. Depois, graças a erros banais e à campanha medíocre, o paulista teve menos votos que no primeiro turno.

Lula chegou ao poder em 2003 depois de perder três eleições porque se reinventou criando o personagem Lulinha Paz e Amor. Elançou a Carta aos Brasileiros. Mas também porque o segundo governo de Fernando Henrique, que teve méritos evidentes como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Rede de Proteção Social, origem do Bolsa Família, dos genéricos e do combate à Aids, ficou marcado pela desvalorização do real logo nos primeiros dias, o apagão de energia e a economia em situação difícil.

Paradoxalmente, para acalmar o mercado financeiro, Lula escreveu a Carta aos Brasileiros, em que se comprometia a manter o chamado tripé econômico: câmbio flutuante, meta de inflação e equilíbrio fiscal. Foi isso que garantiu o bom desempenho no primeiro mandato de Lula, e o tripé é a base da economia brasileira até hoje.

Em 2006, Lula, atingido em cheio pelas denúncias do mensalão, foi o “mal menor”. Sua reeleição pareceu à maioria a continuidade de um projeto político, solução menos traumática, apesar de tudo. Os demais presidentes foram escolhidos para derrotar alguém. Com um crescimento de 7,5% no ano de 2010, Lula conseguiu eleger Dilma Rousseff, mas deu início à crise econômica que resultou na recessão mais grave já havida no país.

A desastrada nova matriz econômica, comandada pelo ministro da Fazenda Guido Mantega, e a absoluta incapacidade da presidente fizeram com que seu primeiro mandato presidencial terminasse em crise generalizada, inclusive com as primeiras denúncias de corrupção endêmica no petrolão, que dominou a campanha de reeleição. Apesar de Dilma, Lula ainda tinha força suficiente para reelegê-la, mas à custa de uma campanha milionária financiada pelo dinheiro da corrupção. Dilma derrotou Aécio Neves, o candidato tucano, por uma diferença de 3% dos votos.


Mas, assim como em 1989, quando disputaram o primeiro turno Collor e Lula, também não havia escolha boa em 2014. Soube-se depois que Aécio Neves estava enredado na mesma teia de corrupção que denunciara durante a campanha.

Em 1989, qualquer resultado seria desastroso para o país, como foi a vitoria de Collor, que acabou impichado. Lula depois admitiu que seria uma tragédia se vencesse aquela eleição, pois não estava preparado para o cargo.

As crises econômica e moral levaram a um ambiente de rejeição ao governo Dilma, que acabou impichada, também porque o vice Michel Temer acabou aparecendo como “o mal menor”.

O governo substituto superou a inflação e deu início ao fim da recessão, que durou três anos. Mas também se enredou em denúncias de corrupção que o paralisaram, impedindo que aprovasse a reforma da Previdência. Foi o governo mais impopular que o país já teve.

A rejeição à volta do PT acabou levando ao poder Jair Bolsonaro, que pareceu à maioria dos eleitores o “mal menor”, o “erro novo”. Só uma parcela deles, a mais barulhenta e atuante, o considera uma alternativa programática.

Com o país dividido, o centro político sumiu do embate eleitoral, e vivemos, após quase três meses de mandato, um ambiente político radicalizado incentivado pelo próprio presidente da República. As crises se sucedem, com fatos novos diários a corroera institucionalidade de Bolsonaro. A ponto de já se falar abertamente na possibilidade de o vice, general Hamilton Mourão, vira assumir o governo caso a reformada Previdência não seja aprovada e a economia continue em crise, com o país ladeira abaixo.

Mais uma vez, busca-se o “mal menor”. Até quando?

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