quinta-feira, 21 de março de 2019

Míriam Leitão: Curto-circuito na reforma

- O Globo

Militares quiseram fazer a reforma e corrigir salários ao mesmo tempo e conseguiram elevar o ruído em torno da Previdência

A mudança nas pensões e aposentadorias dos militares chegou com tantos bônus que elevou o ruído em torno da reforma da Previdência. Ficou mais difícil aprová-la a partir de agora. É impossível explicar que, a esta altura, o governo dê um aumento tão grande nos soldos. Se o gasto médio anual será de R$ 8,6 bilhões, o que está acontecendo é uma elevação de cerca de 34% no custo da folha dos militares da ativa, que hoje é de R$ 25 bilhões.

As Forças Armadas têm razão quando dizem que criou-se uma defasagem nos últimos anos entre a carreira militar e outras do setor público. Eles perderam na época de Fernando Henrique. No período petista houve muito aumento para algumas carreiras, muitos concursos em que os funcionários de todos os poderes progrediam rapidamente e passavam a altos salários. Por isso o ministro Paulo Guedes se referiu ao fato de que um servidor civil com poucos anos de trabalho, dependendo do setor, pode ganhar mais que um general.

As queixas salariais represadas estouraram quando o ex-presidente Michel Temer apresentou sua proposta. Os militares exigiram ficar de fora e formular eles mesmos uma reforma e junto fazer uma reestruturação da carreira. Seria apresentada depois da aprovação do projeto de Temer que, contudo, nunca foi a plenário. As regras foram decididas dentro das Forças Armadas. À equipe econômica coube engolir e justificar algo que desafina completamente com tudo o que vem sendo dito pelo ministro Paulo Guedes. Ontem ele afirmou que a previdência dos militares será superavitária após a reforma. Não será, evidentemente. Hoje o rombo é de R$ 40 bilhões. O déficit real é menor porque não há contribuição patronal. Mesmo assim, o ganho médio de R$ 1 bi por ano não resolve o buraco.

O subsecretário Bruno Bianco repetiu ontem várias vezes que a reforma e a reestruturação foram anunciadas juntas por uma questão de transparência. Não foi isso. É que os comandantes militares entenderam que esta era a melhor oportunidade. Eles cederiam em alguns pontos e, ao mesmo tempo, corrigiriam o que enxergam como injustiça.

Os militares continuarão com vantagens que já estão caindo para todos os funcionários públicos e nunca existiram para os outros trabalhadores, como a paridade e a integralidade. Ou seja, vão se aposentar com o mesmo salário e na reserva receberão todos os reajustes que forem dados para os da ativa. Quando passarem para a reserva receberão uma gratificação de oito meses de salário. Antes eram quatro. Quando fizerem cursos continuarão tendo direito ao adicional de habilitação, só que os percentuais subiram. Para os oficiais superiores, sai de 30% para 73%.

Passarão a ter direito a outro adicional, o de disponibilidade. O argumento para justificar esse novo benefício é que eles quando vão para a reserva continuam à disposição do serviço militar, que pode chamá-los a qualquer momento. Pode até ser que sejam convocados, mas é raro. Imagina só o exemplo do capitão Jair Bolsonaro. Ao ir para a reserva, aos 33 anos, ele continuou ganhando o salário de capitão que, depois, acumulou com o que ganhava como vereador, deputado e agora presidente. E desde então nunca foi chamado para qualquer serviço extra. Este é apenas um exemplo que mostra que quando estão aposentados eles podem executar outros trabalhos e por eles são remunerados. Como agora acontece com os muitos assessores que povoam o governo.

Os militares não têm direitos de outros trabalhadores, como hora extra, adicional noturno, FGTS. Se fosse pagar, pela conta do general Eduardo Garrido Alves, seria um custo de R$ 20 bilhões para a União. Mesmo assim, a superposição de vantagens, adicionais, correções, tratamentos diferenciados pareceu ontem demasiada.

Até o PSL já começa a se afastar da reforma. Basta ver o que aconteceu na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), na última terça-feira. O senador Major Olímpio defendeu que o déficit previdenciário não existe e elogiou os petistas Paulo Paim e Ricardo Berzoini. Ele dizia isso no governo Temer. Só que agora ele é do partido do presidente e líder no Senado.

Ontem foi um dia ruim para a reforma da Previdência. Existem distorções no ganho dos militares, mas a correção a esta hora, e neste nível, pareceu totalmente sem sentido.

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