quinta-feira, 28 de março de 2019

Míriam Leitão: Erro em educação custa caro demais

- O Globo

Grupo que chegou ao poder não tem ideia de por onde passa o desafio da educação brasileira. Primeiro trimestre foi perdido

Que o governo tem errado em muitas áreas não é novidade, mas ele não tem se dado conta da gravidade que é errar em educação. O ministério está parado. Não toma decisões e gasta todas as energias e as horas vivendo crises que ele mesmo cria, demitindo pessoas que acabou de nomear ou revogando-se a si mesmo. Esta é apenas mais uma semana perdida no MEC. Não há setor em que os erros e a paralisia são mais perigosos do que nessa área. Na educação não se perde um minuto e já perdemos um trimestre. O presidente Jair Bolsonaro escolheu o ministro de forma insensata.

O debate ontem na Câmara foi constrangedor, pelo que ele demonstrou não saber. O melhor momento foi o discurso da deputada Tábata Amaral (PDT-SP), em que ela resumiu o sentimento:

— A sua incapacidade de apresentar uma proposta e saber dados básicos e fundamentais é um desrespeito não só à educação, não só ao Ministério, não só ao Parlamento, mas ao Brasil como um todo.

O Brasil teve alguns avanços importantes em educação nos últimos anos. Iniciou um processo de avaliação no governo Fernando Henrique. Isso nos deu a capacidade de quantificar e comparar atrasos e casos de êxito. Houve o envolvimento da sociedade civil, com a criação de organizações. Empresas criaram institutos que têm auxiliado gestores públicos. Jornais debatem o assunto em eventos com especialistas nacionais e internacionais.

A busca é a mesma: fazer um mutirão nacional para permitir a superação do atraso que mais ameaça o país e seu futuro. Há casos de sucesso que podem ser destacados para serem copiados. Já visitei escolas pelo Brasil e fiz reportagens mostrando alguns desses exemplos que são pérolas no nosso mar de derrotas, mas que nos animam a seguir em frente. Há esperança, há caminhos.

O Fundeb termina no ano que vem e até agora não recebeu qualquer atenção do MEC. O Fundo criado inicialmente como Fundef, no governo FH, ampliado para Fundeb ao incluir o ensino médio no governo Lula, responde por 60% dos gastos na educação do ensino médio. Tem recursos municipais, estaduais e federais, combate a desigualdade imensa das chances dos nossos estudantes. Se ele acabar, sem que haja um mecanismo de financiamento, haverá o colapso.

Até agora o MEC não conseguiu chegar a uma conclusão do que fazer a respeito da Base Nacional Comum Curricular. Ele se preocupa apenas com miudezas, em perseguir pessoas ou ideias consideradas ameaças ao atual governo, mas o MEC nem consegue dizer do que se defende. Tudo em relação à reforma do Ensino Médio está parado. Foi extinto o comitê de avaliação de tecnologias inovadoras.

Há rotinas que precisam ser tocadas e que estão paradas, até coisas simples como edital para compra de livro didático. Como se sabe, escola tem calendário. Quando ele pretende tomar decisões que permitam aos alunos terem livros nas mãos? Vários programas que fazem a articulação dos estados com o governo federal em ações conjuntas não funcionam. Reuniões não são realizadas, decisões não são tomadas, urgências são ignoradas, prazos são perdidos.

Entre as poucas decisões está a carta do Hino Nacional, com a frase lema da campanha bolsonarista, que deveria ser lida, e depois os alunos seriam filmados cantando para se mandar para o MEC. Essa estultice foi abandonada diante das críticas. Outra foi o adiamento da avaliação da alfabetização. Durou algumas horas e foi revogada.

O ministro Vélez Rodriguez parece estar no mundo fantasioso de Alice. Nomeia, para depois sair gritando: “cortem as cabeças, cortem as cabeças.” E são as mesmas que ele escolheu por critérios insondáveis. O segundo presidente do Inep, que acaba de cair, a única coisa que fez em seu curto mandato foi dizer que todo o conteúdo da prova do Enem teria que passar pelo crivo de Bolsonaro. O primeiro, só entendeu o sistema de avaliação, depois que os funcionários desenharam.

O diálogo brasileiro sobre educação evoluiu e amadureceu. Ainda temos um desempenho muito ruim em qualquer comparação internacional, mas estávamos procurando a saída, tendo vitórias parciais, construindo possibilidades. O grupo que chegou não tem ideia de por onde passa o desafio da educação contemporânea. O governo Bolsonaro está errando mais justamente na área que não aceita erros nem retrocessos.

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