sexta-feira, 8 de março de 2019

Monica De Bolle*: Acabou nosso Carnaval?

- Revista Época

O Carnaval de Bolsonaro é a versão tupiniquim e bem menos sofisticada das digressões de Trump aqui nos Estados Unidos.

Pelas redes o que se vê/É uma gente que nem se vê/ Que nem se sorri/Ataca e ameaça/E sai tuitando/ Brigando e xingando/Torcidas do horror.

Peço perdão a Vinicius de Moraes, mas nesta Quarta-Feira de Cinzas em que escrevo minha coluna semanal para ÉPOCA, a situação brasileira é tão tóxica que nem saudades nem cinzas restaram. O presidente da República precisa aprovar uma reforma, mas puxou o tapete debaixo dos pés de Sergio Moro e enfraqueceu um de seus superministros.

O presidente da República precisa aprovar uma reforma, mas já demonstrou relutância em relação a pontos do plano apresentado por Paulo Guedes, o outro superministro entre os únicos dois a ter respaldo técnico em suas áreas. O presidente da República precisa passar uma reforma, mas, na terça-feira gorda, preferiu tuitar vídeos pornográficos atacando o Carnaval, como se todos assim se comportassem, e, por tabela, manchar a instituição da Presidência.

O presidente da República precisa passar uma reforma, mas prefere incitar a divisão estúpida sobre assuntos comezinhos ante o tamanho dos desafios que enfrenta o Brasil. O presidente da República precisa passar uma reforma, mas prefere perder tempo com a ignomínia de alguns de seus ministros, de seus filhos, de alguns de seus seguidores nas redes sociais. O presidente da República precisa passar uma reforma, mas prefere tuitar perguntas esdrúxulas no amanhecer das cinzas.

Há quem já tenha se dado conta de que a reforma apresentada por Paulo Guedes está ameaçada pelas próprias atitudes do chefe da nação. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, soltou advertência sobre a desorganização da base governista no Congresso e disse, nas entrelinhas, que desse jeito não vai dar. Entre os investidores, começa a despontar a sensação desagradável de que o atual presidente da República, governado pelas redes sociais, não terá estofo ou coragem para enfrentar a saraivada de contestações sobre os principais pontos da reforma.

Volto sempre ao mesmo ponto, que não canso de repetir: o eleitor real de Bolsonaro, aquele que é fiel ao capitão, não aquele que repudiou o PT, não votou na reforma da Previdência. O eleitor fiel de Bolsonaro talvez nem saiba direito por que a reforma da Previdência é necessária — não falo da turma do mercado financeiro que ainda não largou o osso. Falo das pessoas que haverão de pressionar para que a reforma seja diluída ou que verão nela — sobretudo no tempo adicional que terão de trabalhar para desfrutar de suas contribuições — uma espécie de traição. Não falar durante a campanha dá nisso. Não dizer o que defende durante a campanha, não comparecer a debates, esconder-se nas redes e recolher-se às bolhas dá nisso.

Agora que o Carnaval passou e que a vida real haverá de se impor, Bolsonaro terá duas escolhas: enfrentar o debate e a eventual queda de sua aprovação e popularidade ou criar chuvas azuis, cor-de-rosa, verdes, amarelas, douradas ou de qualquer outro tom que desvie a atenção por um tantinho de tempo daquilo que de fato importa para o país. Não acredito que o Carnaval de Bolsonaro — não a festa popular, mas a fábrica de inutilidades que ele e os seus criaram — acabe nesta semana.


A briga mais ferrenha será não com os servidores públicos que, segundo a proposta de Guedes, teriam de contribuir muito mais do que hoje o fazem. A briga mais ferrenha será com eleitores desiludidos, porque, ao não entenderem a urgência da reforma da Previdência por falhas de Bolsonaro durante a campanha, verão na Previdência o espectro do estelionato eleitoral. A idade mínima, o tempo de contribuição, as regras de transição — tudo necessário, nada explicado. Tudo necessário, nada entendido pela maioria da população brasileira.

Enquanto isso, quem disser essas verdades para lá de inconvenientes continuará a ser alvo da turba que saliva nas redes. Mas não faz mal. A realidade sempre se impõe, mais cedo ou mais tarde. Para os que pedem vai vai vai vai, não vou. Para os que negam a vida real fora das bolhas virtuais, advirto: vai vai vai vai, sofrer; vai vai vai vai, chorar; vai vai vai arrepender. Saravá.

*Monica De Bolle é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics

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