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O grito de independência do Congresso
Poucas vezes se viu algo parecido com o que aconteceu ontem à noite na Câmara dos Deputados. Foi a maior traulitada que um governo levou em poucas horas, e por esmagadora maioria de votos.
Uma vez que o presidente Jair Bolsonaro se recusa a ir atrás de apoio para aprovar os principais projetos do seu governo, a Câmara deu-lhe o troco – e que troco.
Primeiro por 448 votos a 3, e depois por 453 a 6, a Câmara aprovou em dois turnos a proposta de emenda à Constituição que torna impositivo o Orçamento da União.
Pelos próximos quatro anos o governo ficará obrigado a executar o Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias com uma estreita margem de manobra.
Os parlamentares elevaram o percentual de suas emendas ao Orçamento de 0,65 da receita corrente líquida para 1%. Emendas apresentadas por bancadas estaduais deverão ser cumpridas.
Tudo na contramão do que desejava o governo, especialmente o ministro Paulo Guedes, da Economia. Ele queria um Orçamento sem tantas amarras, de modo a que pudesse remanejar despesas.
A decisão da Câmara foi uma resposta aos ataques sofridos pelo presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Maia virou o alvo preferido de Bolsonaro e dos seus garotos nas redes sociais.
O atrito entre eles se deveu ao fato de Bolsonaro ter lavado as mãos quanto ao futuro da reforma da Previdência Social. Maia retaliou declinando da posição de articulador da aprovação da reforma.
O Congresso aprovará, sim, a reforma, mas necessariamente o texto para ali despachado pelo governo. Quer pôr suas impressões digitais na reforma. E, doravante, em tudo mais que o governo lhe proponha.
O Orçamento impositivo aprovado na Câmara será votado em seguida pelo Senado. Só depois entrará em vigor. Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado, disse que ali ele também será aprovado.
Bolsonaro poderá vetar no todo ou em parte o que receber do Congresso. Mas o Congresso poderá derrubar o veto de Bolsonaro, impondo sua própria vontade.
Por que o capitão foi ao cinema
O poder é inebriante
O ex-presidente Bill Clinton, que escapou por pouco de perder o cargo de presidente dos Estados Unidos, justificou assim seu envolvimento sexual com Monica Lewinski, estagiária da Casa Branca:
– Fiz porque podia.
Clinton explicou arrependido: seu cargo lhe conferia tantos poderes, mas tantos poderes que ele se deixou encantar por eles, pensou que tudo lhe seria permitido e quase foi ao chão.
Por que o presidente Jair Bolsonaro matou, ontem, parte do expediente da manhã no Palácio do Planalto para ir ao cinema com sua mulher, Michelle?
Ora, simplesmente porque deve ter avaliado que podia fazer isso. Podia por ser quem é, o presidente da República recém-eleito e autor da proeza de ter varrido a esquerda do poder depois de 13 anos.
Não se deu conta que é justamente dele como presidente que se espera o melhor exemplo. E que é sua obrigação dar o melhor exemplo, seja pelo bem do país, seja pelo seu próprio bem.
Se o servidor público número 1 é capaz de faltar ao trabalho para ir ao cinema com a patroa, os demais servidores deverão se sentir à vontade para fazer a mesmo, e também sem o risco de ser punidos.
Tivesse sido esse o único passo em falso dado por Bolsonaro em menos de 90 dias no cargo, a reclamação poderia soar excessiva. Mas não. A cada dia ele dá mais um.
Qual filme o casal foi assistir?
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