terça-feira, 19 de março de 2019

Ritmo lento do PIB contrasta com Bolsa em alta

Ações sobem, enquanto indicador da atividade econômica do BC recua 0,41% em janeiro e previsões para 2019 caem a 2%. Analistas afirmam que agentes estão em compasso de espera para ver se reformas sairão

Cássia Almeida e Rennan Setti / O Globo

Ontem, a Bolsa brasileira chegou a bater cem mil pontos, patamar nunca alcançado. No mesmo dia, o Boletim Focus, que reúne estimativas econômicas de mais de cem analistas, mostrava o pessimismo com o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB): baixou a projeção de 2,28%, na semana passada, para 2%, mostrando revisão generalizada nas previsões. Já o indicador do PIB medido pelo Banco Central caiu 0,41% em janeiro.

—Não tem milagre, a economia não se recupera por simples expectativas, por mais favoráveis que sejam. Impactos reais precisam da consolidação das reformas. Mercado vive muito de expectativa, de que a reforma vai passar, que os juros vão se manter baixos —afirma o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.

A Bolsa, dizem analistas, costuma antecipar os movimentos da economia real, mas as cotações das ações vêm subindo desde o ano passado —em 2018, subiram 15% —sem encontrar eco na economia real.

Vale diz que o percentual 2% de crescimento passou a ser o teto para balizar a economia brasileira em 2019.

Thais Marzola Zara, economista-chefe da consultoria Rosenberg, reduziu de 2,8% para 2,3% sua projeção para o ano e diz que pode baixar ainda mais:

— O resultado da indústria em janeiro veio bem ruim, enquanto comércio e serviços mostram recuperação nada brilhante. O processo que envolve a reforma é muito incerto, exige muita articulação política, e o resultado provavelmente será menor que o anunciado.

EXPECTATIVA DE JURO MENOR
Além da Bolsa, o dólar também está mostrando euforia, apesar da economia lenta. Caiu 0,75% somente ontem, para R$ 3,79. No ano, a cotação está 2,1% menor.

André Perfeito, economista-chefe da Necton, cortou sua projeção do PIB de 2019 de 2,1% para 1,8%. Segundo ele, dos pilares do PIB, apenas o consumo das famílias tem mostrado reação, ainda que pequena. Enquanto isso, os gastos do governo, o setor externo e, sobretudo, o investimento não devem contribuir para a alta da PIB:

—O empresariado pode estar muito entusiasmado com Paulo Guedes (ministro da Economia), mas ele faz conta. Se a ociosidade estiver alta e a demanda continuar fraca, ele não colocará um prego novo no seu negócio. Meu receio é que, quanto mais tempo demorar para a recuperação decolar, mais cara politicamente fique a aprovação da reforma da Previdência.

Para Perfeito, Guedes aposta que os juros baixos resultantes do fraco crescimento acabarão estimulando a retomada do investimento, mas ele discorda:

—Se juro baixo se traduzisse em investimento, o Japão seria um canteiro de obras.
Segundo o economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) José Júlio Senna, a economia estagnada pode estar ajudando a Bolsa:

—Espera-se que os juros básicos (em 6,5% ao ano) possam cair mais com a economia fraca. E isso já está acontecendo nos juros futuros. Essa expectativa ajuda a Bolsa.

Para Vale, só no fim do ano, quando a reforma da Previdência estiver aprovada nas duas casas — Câmara e Senado —o PIB começará a reagir:

— A reforma tem que passar e ser minimamente razoável, R$ 400 bilhões, R$ 500 bilhões não vão resolver. Essa Bolsa aos 100 mil pontos não se realiza mais. Vamos ficar mais quatro anos esperando para o próximo governo fazer a reforma de novo.

Ele alerta que outras reformas, como a tributária e na administração pública, são necessárias para fazer a economia andar mais rápido:

—Ainda há questões pendentes. Por exemplo, a melhoria da educação é fundamental, mas não há esforço para reverter isso. Pelo contrário. A discussão tem sido se a Bíblia vai entrar ou não no currículo, se vai ou não cantar o hino. Capital humano é essencial para gerar mais crescimento. Só produtividade e investimento não são suficientes.

CRISE MAIOR NA INDÚSTRIA
Silvia Matos, economista da FGV, vê um descasamento entre a indústria, que perdeu 0,8% da produção em janeiro, e comércio e serviços:

— O consumo das famílias cresce acima do PIB há 2 anos. Parece-me que há uma crise maior na indústria, puxada pelo setor automobilístico, principalmente pela crise na Argentina, parceiro importante.

Segundo José Ronaldo de Souza Júnior, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a economia real depende de fatos e não de expectativas. Ele diz que a confiança está melhorando, mas só em relação ao futuro, não coma situação atual:

— Mercado financeiro vive de apostas. Na economia real, só se faz investimento em novo negócio se tiver segurança de que o fato aconteceu.

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