quinta-feira, 18 de abril de 2019

Argentina ressuscita acordo de preços contra a inflação: Editorial / Valor Econômico

A Argentina entrou mais uma vez no túnel do tempo e ressuscitou, em um pacote de medidas lançado ontem, um acordo de preços entre governo, empresas e supermercados, com congelamento de tarifas, além de medidas de cunho social, como descontos em remédios, medicamentos, subsídios para moradias aos mais pobres e facilidades creditícias e de revisão de dívidas para micro e pequenas empresas. O governo de Mauricio Macri, diante de nova disparada da inflação, resolveu jogar abertamente a cartada eleitoral. Em outubro Macri deve enfrentar, ao que tudo indica, a ex-presidente Cristina Kirchner, e as pesquisas apontam uma disputa muito apertada, sem favoritos.

O pacote eleitoral vem apenas 12 dias depois da terceira revisão do acordo com o Fundo Monetário Internacional, cuja aprovação permitiu ao país receber mais US$ 10,8 bilhões de ajuda. Até agora, em menos de um ano, o Fundo apoiou o país com US$ 38,9 bilhões, na maior operação de empréstimos da instituição até agora. O FMI deu seu aval à política de Macri, mas nem na carta de intenções da equipe argentina nem nas observações do Fundo se notam indícios de concordância com as medidas anunciadas ontem. Há inconsistências com o programa econômico em curso.

Macri e o FMI esperavam o início de uma recuperação gradual no começo do segundo trimestre e contavam com derrubar a inflação a 30% até o fim do ano. Março trouxe uma ducha gelada nestas expectativas. Os preços subiram 4,57%, elevando a taxa trimestral para 11,8%, perto da metade da meta para o ano inteiro. Alguma alta era esperada por ambos, segundo o FMI, devido à "combinação de altas tarifas, aumentos maiores que o esperado nos salários e recomposição de margens da indústria e do varejo", fatores que influenciariam a inflação de forma "prolongada". Entretanto, a receita acordada era mais do mesmo - a manutenção de uma "política monetária e fiscal e conservadora pelo tempo necessário para ancorar as expectativas inflacionárias e reduzir a inércia de salários e preços".

Um dos parâmetros revistos, antes das medidas de ontem, foi previsão menor para a evolução das receitas totais, de 28,1% para 26,4% do PIB. O pacote de Macri deve reduzir as receitas ainda mais, ao congelar as tarifas de transporte e energia até o fim do ano, enquanto que a do gás, parceladas até junho (27%), não mais será reajustada em 2019. Mais: haverá 22% de desconto nas tarifas de gás no inverno, quando o consumo sobe muito.

Macri anunciou acordo com 16 empresas para manter por seis meses - prazo que praticamente coincide com as eleições - os preços de 60 produtos básicos em 2.500 pontos de venda, a partir de 22 de abril. Tarifas de celulares pré-pagos ficarão como estão por 5 meses. Os frigoríficos se comprometeram a ofertar 120 mil quilos de carne por semana a um preço fixo (149 pesos, cerca de R$ 13,7). Reeditando também a encenação desse expediente fracassado em todos os planos argentinos, o governo mudará a Lei de Lealdade Comercial para apertar o cerco a práticas anticompetitivas.

A estratégia de Macri não é mais a de uma melhoria gradual da economia que rendesse frutos antes das eleições - a ilusão acabou. O objetivo agora é congelar uma situação econômica ruim e fazer de tudo para que ela não piore, encerrando sua carreira política com um fiasco eleitoral. Houve progressos, especialmente na política fiscal, que prevê déficit zero para esse ano. Mas as vulnerabilidades são imensas, quase US$ 40 bilhões de ajuda depois. No que atinge o eleitor, além da inflação, estão a alta do desemprego (9,1% em dezembro), queda abismal dos investimentos (20%) e do consumo, e redução real de 8% dos salários (2018). No segundo trimestre de sua gestão, o nível de pobreza era de 31,4%. No último trimestre de 2018, ainda estava em 30,8% e pode ter piorado depois.

O FMI aponta vários riscos do programa argentino: o tamanho das necessidades de financiamento (15% do PIB), a grande e provavelmente crescente dívida externa e a meta da consolidação fiscal, bem mais ambiciosa que a de programas de países em situações semelhantes. O perigo é claro: a magnitude da dívida em moeda estrangeira coloca um choque cambial como o ponto mais vulnerável da economia argentina.

As medidas anunciadas dão algum alívio a curto prazo à população mais pobre, mas são uma reprodução de erros do passado. Para quem, como Macri, começou a governar sob a aura de mudanças de fundo na economia, elas não passam de um decepcionante remendo eleitoral.

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