segunda-feira, 22 de abril de 2019

Bruno Carazza*: Política baseada em evidências eleitorais

- Valor Econômico

Ao conceder o 13º para o Bolsa Família, Bolsonaro mira 2020

Ao completar os 100 primeiros dias de seu governo, Bolsonaro anunciou a concessão de um 13º pagamento para os beneficiários do Bolsa Família. A medida estava no rol de 35 metas anunciadas pelo ministro Onyx Lorenzoni no início do mandato.

Levando em conta os ataques que Bolsonaro e seus apoiadores sempre desferiram contra o Bolsa Família - chamando-o de eleitoreiro e insinuando que ele estimularia o aumento da taxa de natalidade e diminuiria a propensão ao trabalho -, é digna de aplauso a sua decisão de não apenas dar continuidade ao programa, mas também aportar mais recursos nele.

O Bolsa Família é, de longe, a política pública brasileira mais avaliada academicamente. Sua efetividade é comprovada em função da excelente focalização - o dinheiro chega a quem realmente precisa, situação que foi melhorada após o pente fino realizado no governo Temer - e das externalidades positivas geradas. Além do combate à pobreza extrema, há evidências robustas de melhorias nos indicadores de educação, saúde e até mesmo violência doméstica nas comunidades beneficiadas.

O orçamento do governo federal prevê R$ 30,1 bilhões para o Bolsa Família neste ano. Com a concessão do 13º, deverão ser reservados mais R$ 2,6 bilhões para esse fim. Segundo os dados mais recentes do Ministério da Cidadania, o Bolsa Família atende 14,1 milhões de famílias - o que representa um valor médio de R$ 187 por família.

Diante desses fatos, precisamos nos perguntar se a concessão do 13º era a melhor opção a ser tomada. Supondo que você, caro(a) leitor(a), ocupasse o lugar de Bolsonaro no Planalto do Planalto e quisesse dar uma turbinada no Bolsa Família, qual opção você tomaria: a) concederia o 13º para os atuais beneficiários; b) autorizaria um reajuste de 8,33% no valor mensal do benefício; ou c) ampliaria a base de atendidos pelo programa, alcançando 1,2 milhão de novas famílias?

A escolha feita por Bolsonaro parece ser, de longe, a pior entre as três. O 13º oferecido às vésperas do período natalino constitui um incentivo ao consumo de impulso, dissipando ganhos de bem-estar que poderiam ser mais perenes caso se optasse pelo reajuste mensal. Com o mesmo volume de recursos, além de recompor as perdas inflacionárias, as famílias atendidas ainda receberiam um ganho real no próximo ano.

Com relação à alternativa de ampliar o programa, não devemos perder de vista que, após um ciclo econômico fortemente recessivo do qual ainda estamos longe de nos recuperarmos, o número de pessoas em situação de pobreza cresceu no país. Estudo do Banco Mundial publicado no início do mês indica que houve um aumento de 3 pontos percentuais na taxa de pobreza brasileira entre 2014 e 2017, chegando a 21% da população - o Banco Mundial considera os limiares de US$ 1,90 e US$ 5,50 por dia para definir, respectivamente, extrema pobreza e pobreza.

Neste cenário de expansão da pobreza, faria sentido expandir o número de beneficiários do Bolsa Família, inclusive para minimizar os efeitos da crise sobre a parcela mais vulnerável da sociedade. Aliás, essa era a ideia de Bolsonaro na campanha eleitoral. É bom lembrar que, em sua proposta de governo, Bolsonaro não anunciou o 13º para o Bolsa Família. Num dos slides do powerpoint entregue à Justiça Eleitoral, o então candidato propunha mudanças para transformá-lo num programa universal de renda mínima: "Pretendemos instituir uma renda mínima para todas as famílias brasileiras (....). Nossa meta é garantir, a cada brasileiro, uma renda igual ou superior ao que é atualmente pago pelo Bolsa Família."

Ora, se a decisão tomada vai na direção contrária ao seu programa de governo e, do ponto de vista social, ainda é inferior a um reajuste real ou à expansão do número de famílias atendidas, por que o governo optou por esse caminho? A resposta está no campo eleitoral.

Nas eleições passadas verificou-se há uma forte correlação negativa entre votos em Bolsonaro e a cobertura do Bolsa Família nos municípios brasileiros (ver gráfico). Em outras palavras, o atual presidente se saiu muito mal nas cidades em que o Bolsa Família é muito importante para a população. Fazendo um agrado natalino aos eleitores que o rejeitaram nas urnas, Bolsonaro mira a disputa municipal de 2020, quando ampliar seus domínios nos rincões do Norte e Nordeste.

Trata-se da nova/velha forma de governar: desenvolvendo políticas públicas baseadas em evidências... eleitorais. Ao conceder o 13º para o Bolsa Família, Bolsonaro age de forma eleitoreira da forma como ele sempre criticou Lula e o PT.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de "Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro".

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