segunda-feira, 1 de abril de 2019

Drama argentino está no aumento da pobreza: Editorial / O Globo

Inflação corrói a renda e, a cada ano, ajuda a marginalizar mais pessoas no mercado de consumo

Aumentou a pobreza na Argentina. O governo reconheceu crescimento significativo no número de pessoas carentes: um acréscimo de oito pontos percentuais em 2018, elevando-se o total de pobres a 32% da população.

Durante o ano passado, a Argentina incorporou 2,8 milhões de habitantes ao seu contingente de pobres. Na conta oficial, o progresso não foi uma possibilidade real para um de cada três argentinos.

As estatísticas divulgadas pelo instituto Indec, equivalente local do IBGE, mostram aspectos preocupantes. Um deles é o crescimento da quantidade de crianças com até 14 anos de idade nas famílias pobres. Eram 39,7% da população empobrecida no segundo semestre de 2017. Agora são 47%. Estima-se em 5,1 milhões o total de crianças vivendo na pobreza.

Outro dado relevante é sobre a situação dos que sobrevivem na indigência. Foram encontradas 793,5 mil pessoas a mais que no ano anterior com dificuldades para se alimentar, algo paradoxal numa economia baseada na produção e exportação de alimentos.

A Argentina aprofunda sua divisão social desde o colapso dos anos 80, quando a ditadura militar não só quebrou o país como o arrastou a uma derrota na guerra contra o Reino Unido pelas Ilhas Malvinas.

A radiografia do Indec fornece indícios sobre a dimensão do custo social dessa crise que já se prolonga por mais de quatro décadas. É notável que, até agora, as lideranças civis não tenham se unido na construção de uma saída para recuperação da perspectiva de progresso.

Ao contrário, o que se viu foram absurdos como a manipulação das estatísticas oficiais para ocultar o avanço real da pobreza, como ocorreu no período recente sob os governos autoproclamados de esquerda do casal Néstor e Cristina Kirchner.

Restabelecida a confiabilidade dos dados oficiais, na administração de Mauricio Macri, tem-se uma rotina semestral de confirmação dos efeitos corrosivos da persistência do processo de alta inflação (47% no ano passado) e ritmo avassalador (de 2,9% em janeiro para 3,8% em fevereiro). A perda de valor da moeda nacional alimenta esse avanço do processo inflacionário — nos últimos 12 meses, o peso argentino perdeu 100% de seu valor em relação ao dólar.

A pobreza aumentou porque a inflação corrói a renda e, a cada ano, marginaliza um número crescente de argentinos do mercado de consumo de produtos e serviços essenciais à simples sobrevivência.

A única saída para esse impasse devastador está na política. Eleições estão marcadas para outubro, mas elas precisam ser encaradas por sua natureza. Cabe ao governo e à oposição a liderança de um debate nacional sobre as alternativas no pós-urnas. Elas existem, mas dependem de uma decisão da sociedade sobre o resgate do seu futuro.

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