sábado, 20 de abril de 2019

Merval Pereira: O tom social

- O Globo

Paulo Guedes deseja que a classe política entenda que está em marcha uma transformação em favor dela

O governo ainda não encontrou um caminho para organizar sua base parlamentar, mas já resolveu um problema de comunicação que atrapalhou muito a aprovação da reforma da Previdência no governo Temer. Está colando nela a imagem de que é um instrumento para acabar injustiças sociais do sistema atual e promover uma melhor distribuição de renda.

Além da crise institucional gerada pela revelação da conversa do então presidente com o empresário Joesley Batista, seu governo tinha uma base mais homogênea, o que falta a Bolsonaro, mas não tinha argumentos críveis para aprová-la.

Temer teria aprovado uma reforma meia bomba, mesmo assim devido a compromissos fisiológicos de uma meia dúzia de partidos acostumados a esse tipo de relacionamento com ele e seu grupo.

Ninguém é presidente da Câmara por três vezes, e presidente do MDB por quase 20 anos, à toa. Bolsonaro, que não morre de amores pela reforma da Previdência, permitiu que o ministro da Economia, Paulo Guedes, reunisse em torno de si uma equipe que tem experiência de governo, que falta a ele e ao próprio presidente. Além da excelência técnica. A equipe econômica, que tem secretários reconhecidos como ministros de suas áreas, encontrou o tom correto para vender a importância social da reforma, não apenas a econômica.

O próprio Paulo Guedes, com seu jeito enfático de defender pontos de vista, sempre afirma que o atual regime previdenciário é “uma fábrica de desigualdades”. Essa ênfase no aspecto social de uma nova Previdência tem dado argumentos para se contraporem à oposição, que mantém uma posição radicalmente contrária à reforma, alegando que ela ataca os mais pobres.

Não é à toa que o ministro Paulo Guedes está encantado com a atuação do Partido Novo. Seu líder na Câmara, deputado Marcel Van Hatten, fez uma defesa impactante da proposta na Comissão de Constituição e Justiça, com a utilização de copos de diversos tamanhos para mostrar que o maior deles, que representaria os privilégios concedidos a corporações, onde incluiu os deputados e senadores, recebe cerca de 40% da arrecadação da Previdência nacional, e os mais pobres apenas 3%. Do Orçamento da União, 50% vão para a Previdência, ficando apenas 15% para Saúde e Educação, restando 31% para os demais gastos, em setores que afetam o dia a dia da população — como infraestrutura, mobilidade urbana, segurança .

O ministro Paulo Guedes sintetiza a situação em uma frase de efeito: “O Brasil não envelheceu, e já quebrou a Previdência”. Ele tem uma visão dura sobre a situação: “O excesso de gastos corrompeu a democracia”. O secretário da Previdência, ex-deputado Rogério Marinho, tem outra imagem forte. Compara o sistema atual de repartição a uma pirâmide financeira, dessas que levaram o financista americano Madoff para a cadeia, mesmo sistema que já fraudou investidores em diversas partes do mundo.

A situação teria chegado a um tal ponto que está prestes o momento de ter mais gente retirando dinheiro do sistema do que contribuindo para mantê-lo de pé. Já o secretário da Receita Federal, também ex-deputado Marcos Cintra, está colocando de pé uma reforma tributária, fundamental para a transformação da economia brasileira planejada por Guedes, que considera que o do trabalho é “o mais perverso tributo de todos”, gerador de injustiça social.

Barateando a contratação de empregados pelas empresas, Guedes pretende estimular o mercado de trabalho, que hoje tem 13 milhões de desempregados, fora os com ocupações informais ou precárias, devido à crise econômica, uns 50 milhões de pessoas na sua avaliação. O imposto sobre todos os pagamentos, que está sendo montado, tributaria igualmente todos, mesmo na economia informal, sendo mais justo socialmente que a antiga CPMF. Outro desdobramento das reformas estruturais planejadas pelo ministro da Economia é a do pacto federativo, que objetiva fazer com que Estados e Municípios tenham mais relevância no orçamento da União.


Essa é uma reforma que tem um cunho político relevante, alterando a relação de poder entre os componentes da Federação. Assim como prometeu antecipar recursos do pré-sal a estados e municípios em troca da aprovação da reforma da Previdência, o ministro Paulo Guedes anseia que a classe política entenda que está em marcha uma transformação do Estado brasileiro em favor dela.

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