sexta-feira, 12 de abril de 2019

Merval Pereira: Passo adiante

- O Globo

A autonomia formal do Banco Central, anunciada ontem pelo presidente Bolsonaro como parte das comemorações dos cem dias do governo é assunto que provoca polêmicas sempre que abordado, e nenhum governo recente teve vontade de implementá-la, embora fossem todos favoráveis à independência de atuação. Ponto para Bolsonaro.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, que iniciou a fase de independência do Banco Central, nunca se empenhou em conceder a autonomia formal reivindicada, mas na prática tornou o órgão no mais poderoso do Executivo.

O ex-presidente Lula aceitou dar independência total a Henrique Meirelles, para demonstrar ao mercado que seu compromisso era para valer. Nos oito anos em que reinou no BC, Meirelles teve que enfrentar muitas crises políticas, pois sua independência contrariava grupos dentro do PT.

O presidente do Banco Central ganhou status de ministro para blindá-lo com o foro privilegiado devido à possibilidade de um processo. A condição foi mantida a partir de então, mas Bolsonaro prevê cancelar essa prerrogativa, mesmo porque o foro privilegiado hoje já não dá proteção a fatos ocorridos antes do exercício da função.

Lula chegou mesmo a sondar um substituto para Meirelles, que acabou sendo salvo pelo anúncio de que o país ganhara status de bom pagador recebendo da Standard&Pools o grau de investimento. Já a ex-presidente Dilma interferiu abertamente na atuação do Banco Central, a ponto de o mercado financeiro apelidar Alexandre Tombini de “Pombini”, em referência à sua submissão à presidente Dilma.

Os “pombos” são mais condescendentes, Tombini tornou-se “Pombini” nas mãos da presidente Dilma, durante o período em que ela resolveu levar os juros a taxas históricas mais baixas sem condiçções técnicas para isso.

A proposta do governo Bolsonaro prevê mandato de quatro anos para o presidente do Banco Central, não coincidente com o mandato de presidente da República, prorrogável por mais quatro anos. O projeto de lei já causa atrito com o Congresso, pois o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, negou que tivesse sido consultado pelo governo.

Bolsonaro explicou no twitter: "A exemplo das economias mais avançadas, (...) a autonomia do Banco Central (...) ajuda a fornecer estabilidade, eficiência e crescimento econômico".O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, depois da experiência que teve em seus oito anos de mandato, quando teve que trocar duas vezes o presidente do Banco Central, está convencido de que a autonomia formal tem que ter limites.

A adoção de mandato para os presidentes e diretores do BC tem que prever a possibilidade de serem revogados. "Durante o meu governo, o BC sempre teve autonomia, mas chega um momento em que o presidente diz: Oh, meu Deus. acho que essa política não pode continuar", afirmou, ponderando: "Então como é que faz? Deixa o Banco Central tomar a decisão?

Luis Gonzaga Belluzzo, da Universidade de Campinas, o economista sondado por Lula para substituir Meirelles, acha que "é perigoso manter a independência do banco durante tensões sociais que podem nascer da própria política monetária". Em 2002, na transição do governo de Fernando Henrique Cardoso para Lula, uma proposta de autonomia do BC foi apresentada por Armínio Fraga a Antonio Palocci, que viria a ser o ministro poderoso da economia do governo Lula.

Nos Estados Unidos, o Congresso Nacional fixa objetivos para o Fed, o Banco Central deles, como manter o pleno emprego e a inflação baixa, mas não fixa índices. O presidente tem mandato fixo. Já na União Européia, é o Banco Central Europeu (BCE) quem decide as prioridades e até a meta da inflação que precisa alcançar. No Brasil, é o governo que define as metas a serem alcançadas.

A independência formal seria uma maneira de proteger o Banco Central das pressões políticas, pois governos populistas preferem ser condescendentes coma inflação para tentar alcançar crescimento a curto prazo.

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