Desde a posse, o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe têm, com inquietante frequência, praticado atos com especial repercussão negativa. Em menos de quatro meses, já houve de quase tudo: uso de camiseta de time de futebol falsificada no Palácio do Planalto, publicação de vídeo obsceno na conta do Twitter do presidente da República, intromissões na política interna e na história de outros países, declarações pouco condizentes com o pluralismo de um Estado Democrático de Direito, além de um sem-número de afirmações completamente desnecessárias e descabidas, como a de que o nazismo teria sido um movimento de esquerda. Diferentes entre si, essas ações tiveram algo em comum – todas elas produziram ruídos desnecessários e suscitaram muitas críticas contra o presidente Jair Bolsonaro.
Não poucas pessoas têm postulado, no entanto, que essas críticas ao governo Bolsonaro seriam injustas. Quase sempre essa defesa do presidente Jair Bolsonaro não se baseia em concordância com suas estripulias, chamemos assim. Em geral, essas pessoas argumentam que essas críticas, mesmo que algumas possam ser válidas, se dirigem contra questões acessórias do governo. Seria, assim, injusto – é a conclusão a que querem chegar – julgar o governo Bolsonaro por pontos acidentais. Mais do que uma análise isenta, essas críticas expressariam um olhar preconceituoso, de quem se sente incomodado com o estilo do atual ocupante do Palácio do Planalto.
Diante dessa reação, faz-se necessário um esclarecimento. As estripulias do presidente Jair Bolsonaro e de sua equipe não são mera questão de estilo. O exercício do poder deve se dar dentro de ritos determinados, e tal exigência não é decorrência apenas de um protocolo burocrático e tampouco de um manual de boa educação. No Estado Democrático de Direito, é essencial o modo pelo qual o poder é exercido.
Respeitar os trâmites institucionais não é uma deferência a tradições ultrapassadas. É, antes de tudo, uma garantia de que o poder está sendo exercido segundo padrões reconhecidos e, portanto, de forma não abusiva. A necessidade que alguns ocupantes de cargo público sentem de colocar uma marca excessivamente pessoal em tudo o que fazem distorce o próprio sentido da função pública – que é de serviço, e não de floreio – e abre portas para o arbítrio, ao reduzir o poder a mera expressão da personalidade do mandante.
No caso de um governante, estripulias e desmandos podem revelar certa incapacidade de decidir prioridades. Se o objetivo é gerar ruídos e borbulhas – e é essa a impressão que se tem quando se vê o conjunto de ações presidenciais desde janeiro –, fica evidente que o governo não sabe que rumo quer dar ao País, já que ele mesmo não tem rumo e objetivos.
É parte essencial de todo governo definir prioridades. Sem uma clara hierarquia de objetivos, que devem ser traduzidos em metas, cronogramas e ações, não há como se perseguir o interesse nacional. Faz parte da democracia que o governo eleito apresente, de forma corajosa e responsável, suas prioridades, ou seja, os caminhos pelos quais pretende conduzir os cidadãos que nele confiam e a ele entregaram seu destino.
No entanto, quando um governante, em vez de agir responsavelmente, prefere reiteradamente produzir polêmicas, provocar opositores e levantar discórdias inúteis, dá motivos mais que razoáveis para que se faça dele um juízo negativo.
Os maus modos de um governante não são questões acessórias. Além de evidenciar falta de substância, esse modo de atuar dissipa esforços, oportunidades e energias. Não é bom que um servidor público distribua caneladas, na expressão do próprio Jair Bolsonaro. Mas quando essas caneladas são dadas pelo presidente da República, que nisso é repetido pelo primeiro escalão do governo, o assunto ganha outra proporção e acaba por imprimir uma marca deletéria ao governo.
Seria bom se o presidente Jair Bolsonaro entendesse que importa, e muito, o modo como ele atua. Não por questão de etiqueta ou de simples popularidade. Seu cargo condiciona e representa de forma única o poder que lhe foi transferido nas eleições pelo povo soberano. A liturgia do cargo não é um disjuntor que se ligue ou desligue conforme as variações de humor do presidente.
Sendo ele conservador (ou reacionário?) devia respeitar as tradições litúrgicas do cargo.
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