segunda-feira, 29 de abril de 2019

Sergio Lamucci: A paralisia do investimento

- Valor Econômico

Dúvidas sobre Previdência e demanda fraca travam decisões

O investimento segue travado, mesmo depois de passadas as eleições presidenciais e da queda de mais de 30% no auge da crise. Com a demanda anêmica e as incertezas em relação à aprovação da reforma da Previdência, o setor privado investe muito pouco, ainda mais num cenário em que grande parte das empresas tem enorme capacidade ociosa. O setor público contribui ainda menos, dada a péssima situação fiscal do governo federal e de muitos Estados e municípios.

Sem o investimento ganhar fôlego, o PIB crescerá a um ritmo fraco também em 2019 - não por acaso, aumentam as apostas numa expansão de 1,5% ou menos neste ano. Do lado da demanda, o consumo das famílias, os gastos do governo e as exportações não puxarão a atividade, e o país deverá ter mais um ano perdido em termos de crescimento e redução do desemprego.

O anúncio de investimentos desacelerou significativamente depois da greve dos caminhoneiros, em maio do ano passado, como aponta o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato. Levantamento do banco com base em projetos anunciados na imprensa mostra uma queda mais forte exatamente a partir de junho de 2018. De julho de 2017 a maio do ano passado, a média de projetos divulgados foi de 109 por mês. De junho de 2018 a março deste ano, ficou em 56.

No segundo semestre de 2018, as incertezas relacionadas às eleições seguraram o investimento. Hoje, as dúvidas quanto à reforma da Previdência, fundamental para garantir a sustentabilidade das contas públicas no longo prazo, mantêm o setor privado em compasso de espera.

Como pano de fundo, uma demanda muito fraca e uma grande ociosidade na economia. Honorato cita a sondagem industrial de março da Confederação Nacional da Indústria (CNI), em que houve um salto das empresas apontando a "demanda interna insuficiente" como um dos maiores obstáculos. No quarto trimestre de 2018, esse era um dos principais problemas para 31,1% das companhias; no primeiro trimestre deste ano, o número pulou para 37,5%.

A ociosidade é enorme. O nível de utilização de capacidade instalada da indústria de transformação ficou em 74,4% em abril, de acordo com a Fundação Getulio Vargas (FGV). É um número muito abaixo da média registrada desde 2001, de 80%.

Segundo Honorato, as dúvidas quanto à Previdência afetam mais diretamente um grupo de grandes empresas globais, muitas de capital de aberto, que esperam uma definição sobre o futuro das contas públicas para tomar decisões de investimento. "Há dois canais de transmissão aí", diz Honorato. Se a reforma não passar, a tendência é de haver uma desorganização do ambiente econômico, o que leva as empresas a esperar antes de investir. O outro é o risco de que haja um aumento de impostos no futuro se não houver a mudança do sistema de aposentadorias, gerando dúvidas sobre a rentabilidade dos investimentos.

No caso de empresas de médio e pequeno porte, de capital fechado, o efeito das incertezas sobre a Previdência é diferente, afirma Honorato. Ele se dá porque a indefinição quanto ao sistema de aposentadorias impede mais estímulos para a demanda por parte do próprio Banco Central (BC), por exemplo. Isso poderia contribuir para reduzir mais o custo de capital. É um efeito indireto. Esse empresário só vai investir mais quando perceber a perspectiva de crescimento mais forte da demanda. É obviamente um fator crucial também para as empresas de maior porte, mas uma perspectiva clara de aprovação da reforma da Previdência poderia deflagrar decisões de investimento das companhias maiores, que anteveriam um cenário melhor para a economia, avalia Honorato. Ele espera que a proposta passe em primeira votação na Câmara dos Deputados em julho ou agosto, com aprovação final pelo Senado ainda neste ano.

No primeiro trimestre, a economia foi mal. O Bradesco estima que o PIB tenha recuado 0,1% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal. Nessa base de comparação, a previsão é que o investimento tenha recuado 0,6%. Por enquanto, Honorato projeta um crescimento do PIB de 1,9% em 2019, número que eventualmente pode ser reduzido. Pelo que indica a pesquisa empresarial do banco, o segundo trimestre se encaminha para uma alta de 0,5%, melhor do que no primeiro, mas que, se confirmada, torna difícil um avanço no ano perto de 2%.

A demora na tramitação e a aprovação de uma versão pouco robusta da reforma da Previdência podem retardar ainda mais a recuperação da formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação). Entre o terceiro trimestre de 2013 e o quarto trimestre de 2016, a FBCF caiu 31,6%.

Em recuperações cíclicas que se seguiram a recessões anteriores, o investimento costumava liderar a retomada. Depois de uma queda superior a 30%, não seria absurdo esperar um aumento da FBCF em torno de dois dígitos num primeiro momento. Nos oito trimestres seguintes ao fim da recessão, porém, a FBCF só cresceu 6%. Para Honorato, o problema não é falta de financiamento - a queda dos empréstimos do BNDES já foi mais do que suplantada pelas emissões no mercado de capitais, segundo ele.

Com demanda fraca e o setor público sem espaço para investir, uma opção seria cortar mais os juros, em 6,5% ao ano desde março de 2018. Honorato acredita que a redução da Selic é tema para o segundo semestre. Até lá, deverá ficar claro para o BC que o repique recente dos preços é transitório, como ele e a grande maioria dos analistas avaliam. Se a atividade continuar fraca, a inflação e o câmbio ficarem comportados e a reforma da Previdência estiver bem encaminhada, o BC poderá então baixar mais os juros. Nesse quadro, não seria necessário esperar a aprovação final pelo Senado, diz ele.

Se não for possível estimular a demanda pela redução dos juros, Honorato vê como outras possibilidades promover outras reformas, como a tributária, e intensificar privatizações e concessões de infraestrutura. Hoje, essa agendas estão em segundo plano pela prioridade dada à mudança na Previdência.

Nesse quadro, é fundamental o governo se concentrar na articulação dessa reforma no Congresso, tentando aprovar o mais rapidamente possível uma versão robusta da proposta. A falta de coordenação política da administração de Jair Bolsonaro já cobra o seu preço em termos de crescimento, por adiar a retomada do investimento e dificultar a adoção de outras medidas para estimular a demanda, como novos cortes dos juros.

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