quinta-feira, 23 de maio de 2019

Cristina Kirchner tenta unir oposição para voltar ao poder: Editorial / Valor Econômico

Dois dias antes do início do julgamento em que é acusada de chefiar um bilionário esquema de corrupção, a ex-presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, única líder da oposição capaz de vencer Mauricio Macri nas eleições de outubro, embaralhou o cenário político ao lançar-se candidata à vice-presidência. Para surpresa geral, encabeçará a chapa Unidad Ciudadana, o peronista Alberto Fernández, ex-chefe de gabinete do marido de Cristina, o então presidente Néstor Kirchner. Só o tempo dirá se foi um lance genial ou simplesmente pueril. O acerto Fernández e Fernández pode não se manter até 22 de junho, data final para inscrição dos candidatos para as primárias.

A estratégia de Cristina Kirchner tem pontos fortes, mas também vulnerabilidades. O autoritarismo dos Kirchner atomizou um já esfacelado peronismo, no qual algumas alas têm capacidade eleitoral significativa. Uma delas, a de Sergio Massa, que se aliou no início a Macri, do Cambiemos, pode disputar a presidência pela Alternativa Federal, uma aliança política com apoio forte nos governadores, liderada pelo também peronista Juan Schiaretti, reeleito governador de Cordoba, segundo maior colégio eleitoral do país.

A novidade foi que a sectária Cristina, com seu gesto de deixar o primeiro plano da disputa, acenou para a união do Partido Justicialista, uma missão que, se cumprida, asseguraria com tranquilidade a vitória eleitoral. "Meu objetivo é unir toda a oposição", disse Alberto Fernández. Diante de um governo liberal enfraquecido por reveses econômicos - inflação em 57% ao ano, segundo ano de recessão, peso sob ataque, desemprego e pobreza em alta e um acordo com o FMI - a perspectiva de voltar ao poder tem força para unir em torno da ex-presidente os regionalismos peronistas. O anúncio de Cristina, assim, atingiu em cheio a Alternativa Federal. Nove governadores já se mostraram simpáticos à proposta de Cristina.

Sergio Massa, que foi membro do governo de Cristina e rompeu com ela, vacila e há quem aposte que ele se entenderá com os Fernández em troca de disputar em condições mais favoráveis o governo de Buenos Aires. Massa, porém, disse que quer ser presidente e o líder da Alternativa, Schiaretti, afirmou que não cederá ao canto de sereia do kirchnerismo e que a aliança terá candidato. Roberto Lavagna também já se declarou no páreo dentro da Alternativa.

Schiaretti quer manter de pé a "terceira via" diante das opções eleitorais desgastadas de Cristina, com 5 processos por corrupção a persegui-la, e de Macri. A posição do governador de Cordoba trouxe algum otimismo aos mercados argentinos, ao sinalizar que, desunido o peronismo, Macri, tem chances de ganhar a eleição. O risco país anteontem caiu abaixo dos 900 pontos, depois de atingir 1.012 em abril. Macri, por seu lado, tenta manter otimismo, sabendo que a vitória dependerá de alguma melhoria na economia. A inflação de abril caiu a 3,4% (57,6% em 12 meses) e pesquisa da Universidade Torcuato di Tella apontou que a expectativa de inflação entre consumidores caiu para 30% ao ano, após ficar um bom tempo acima dos 40%.

O jornal Clarín publicou na terça o resultado da primeira pesquisa após a surpresa de Cristina. A amostra é pequena (879 pessoas) com boa margem de erro (3,37%). A Unidad tem apoio de 39,3% e o Cambiemos, de Macri, de 29,7%. Mas a imagem positiva mais forte é a de María Eugenia Vidal, governadora de Buenos Aires, que tem ameaçado a candidatura de Macri - os aliados da União Civica Radical a preferem na disputa. Roberto Lavagna tem boa imagem para 51% e a menor rejeição. Alberto Fernández tem 42% e 49,7%, respectivamente. Macri e Sergio Massa só obtêm nota positiva de 36,5% e têm a maior rejeição. A imagem de Cristina é boa para 49% e ruim para 51%.

O lado frágil da estratégia kirchnerista é que o hábil negociador, mas apagado e pouco carismático Alberto Fernández terá de fazer campanha tendo de afirmar a cada momento que não será lacaio de Cristina na Presidência. Seus primeiros passos tornaram essa tarefa mais difícil. Os anos Kirchner foram marcados pela corrupção. Antes e durante o primeiro julgamento de Cristina, disse que Cristina é "uma vítima do sistema eleitoral" e que as acusações são "um disparate". Se em um mês não tornar a manobra eleitoral proveitosa poderá ser descartado, como creem os estrategistas da Casa Rosada. A imprevisibilidade, em meio a mais uma grave crise econômica, será a marca das eleições argentinas.

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