quinta-feira, 30 de maio de 2019

Maria Cristina Fernandes: O encontro marcado de Bolsonaro com 2020

- Valor Econômico

Pressão da pauta pós-Previdência é de aumento de gasto

O presidente Jair Bolsonaro comemorou manifestações favoráveis no mesmo dia em que o governo enfrentou a primeira grande rebelião prisional e a expectativa positiva dos investidores em relação ao governo revelou-se reduzida a um sexto daquela da posse.

No Datafolha publicado no dia da posse, 46% depositavam expectativas em relação à tríade violência/segurança/polícia. Apenas 3% acreditavam que o pai de Flávio Bolsonaro fosse demonstrar um bom desempenho no combate à corrupção. O mesmo patamar confiava em sua capacidade de reduzir o desemprego ou melhorar a economia. A média dos brasileiros se mostrava com mais discernimento do que os investidores, cuja confiança na alavancagem da economia, medida pela XP/Ipespe, era quase total (86%) na largada do governo.

Rebelião em presídio com 55 mortos pode não ser exatamente sinal de uma política de segurança pública eficaz, mas traduz as crenças do presidente da República de que bandido bom é bandido morto e as apostas do ministro da Justiça de que a solução para a violência passa por mais encarceramento.

Em pesquisa feita para a CUT em abril, Marcos Coimbra (Vox Populi) perguntou que notícia do governo mais chamava a atenção dos seus entrevistados. A briga entre olavistas e militares ocupava todo o noticiário. Talvez por isso, metade dos entrevistados respondeu que não se lembrava de nada e 20% não souberam responder. Os 30% restantes citaram fatos favoráveis e desfavoráveis ao governo, sendo a flexibilização do porte de armas o mais lembrado.

No governo, o presidente não traiu o candidato. Puxa para si os temas de segurança pública enquanto continua a tratar a economia como um assunto do posto Ipiranga do qual pouco entende. Fica mais fácil terceirizar os fracassos neste terreno, ainda que, em algum momento, os 13 milhões de desempregados venham a ganhar uma tradução política.

Esta multidão é a última a sair às ruas. Seja porque não têm dinheiro para se deslocar, não possam largar seus biscates ou, ainda, por terem perdido os laços com antigos companheiros de trabalho com quem um dia compartilharam uma visão mais coletiva da conjuntura.

Se 2019 está perdido para o Bradesco, fica difícil adjetivar as expectativas de quem o atravessará sem renda. É arriscado, no entanto, apostar que hordas de desempregados sairão às ruas na greve geral convocada para o dia 15 de junho. Mais seguro esperar sua manifestação nas urnas de 2020.

A onda de manifestações que marcou o governo Dilma Rousseff não foi liderada por eles, reduzidos, naquela época, ao mais baixo patamar da história recente. Traídos pelo partido no poder, os desempregados do segundo mandato dilmista deram o troco nas eleições municipais de 2016, quando o PT perdeu 60% de suas prefeituras.

Esse encontro do pedaço mais desalentado do país com as urnas torna mais difíceis quaisquer pactos que o presidente queira vir a firmar com os Poderes. Se está difícil para o Executivo se entender com o Congresso antes da Previdência, reforma com a qual todos concordam, embora cada um tenha a sua, dirá traçar uma agenda comum para quando - e se - a reforma for aprovada.

Ao sacrifício a ser imposto à população pela proposta do governo - 90% do ganho fiscal da proposta, nas contas do líder do PSB na Câmara, Tadeu Alencar (PE), independe das mudanças para servidores - se seguirão pressões por uma distribuição mais equitativa da conta. Só o mercado financeiro parece ter descoberto agora, que a reforma, sozinha, não dará conta do crescimento. As manifestações em sua defesa, no domingo, se restringiram ao centro-sul do país.

Não há como circunscrever a agenda de maior equidade das mudanças que o Brasil precisa às prioridades do ministro Paulo Guedes. Depois do fracasso da reforma trabalhista como indutora do emprego, o ministro continua a insistir na mesma tecla. Entre as medidas discutidas com a bancada de novos parlamentares levada ao seu gabinete esta semana, está um projeto do governo que facilita as contratações temporárias com menos custo previdenciário.

A agenda da redução de direitos trabalhistas enfrentou ontem uma derrota no Supremo, pouco mais de 24 horas depois do dito pacto entre os Poderes. Por 10 a 1 (voto contrário do ministro Marco Aurélio), a Corte aprovou a Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o trecho da reforma trabalhista que admitia gestantes e lactantes em atividades insalubres.

Nada mina mais a confiança entre poderes que vendem a ideia de pacto, porém, do que as contas de padaria que o Executivo tenta enfiar goela abaixo do Congresso. Primeiro foi com a Previdência. Quando o Congresso apertou para que o governo abrisse as contas, o ganho fiscal da proposta saltou R$ 164 bilhões. Acossado na negociação do crédito adicional para cumprir as regras fiscais, o ministro reconheceu que o governo poderia abrir mão de R$ 102 bilhões da proposta inicial de R$ 248 bilhões.

O pouco apreço pela transparência dos gastos do governo jogará por terra a tentativa da Fazenda em persistir no discurso contracionista. A pauta pós-Previdência é de gasto. De Estados e municípios que querem uma fatia dos recursos da cessão onerosa da Petrobras a setores empresariais que pressionam pela reabertura do crédito, passando por propostas como a da economista Mônica de Bolle de usar parte das reservas cambiais para reduzir a dívida pública e ajudar na redução dos juros. A administração dessa pressão exigirá, do ministro, mais do que a ameaça de desfrute de sua aposentadoria no exterior.

Se as pautas do domingo diferiram de canto a canto do país, foram homogeneamente marcadas pela ausência de pixulecos do ex-presidente Lula. Se o presidente Jair Bolsonaro chegou ao poder pelo antipetismo, já não poderá contar com a mesma bandeira para continuar a governar e eleger uma base municipal em 2020 da qual depende, em grande parte, a estabilidade da segunda metade de seu governo. É de resultados que precisa para evitar que o próximo pixuleco seja o seu.

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