terça-feira, 21 de maio de 2019

Míriam Leitão: O que Joana fez e o que não fez

- O Globo

Diretor da Etec onde Joana D’Arc dá aulas diz que ela é professora nata que faz aluno desinteressado estudar e ter desejo de saber mais

Quando a professora Joana D’Arc Felix voltou ontem ao trabalho na Escola Técnica Agrícola (Etec), onde dá aulas de química em Franca, encontrou um cartaz na sua mesa, feito pelos alunos: “Insista, persista, nunca desista”. A professora disse que tinha feito um curso em Harvard que não fez. O que ela de fato fez foi graduação, mestrado e doutorado na Unicamp, uma das melhores do Brasil. E ela tem sido uma excelente professora, segundo o próprio diretor da escola. “O trabalho dela é extraordinário”, diz Cláudio Ribeiro Sandoval.

Há duas formas de olhar o polêmico caso de Joana que provocou uma onda de críticas a ela nas redes sociais: falar do que Joana não fez ou do que ela fez. Hoje, o país já sabe que ela não fez pós-doutorado em Harvard, nem entrou na universidade aos 14 anos. Mas o que ela fez é suficientemente grande para torná-la um caso de sucesso. Mais do que a sua própria história, é o que ela é, como professora de química na Escola Carmelino Corrêa Junior:

— A graduação, o mestrado e doutorado, que para nós era o que importava, na contratação, estão absolutamente regulares. Essa história de Harvard nunca tivemos essa informação, nem valorizamos. Mas o trabalho que ela desenvolveu na escola e continua desenvolvendo, de despertar o interesse dos alunos pela pesquisa, é uma coisa que não tem paga. Tem um resultado extraordinário —disse o professor Cláudio Sandoval, diretor da Etec.

Em 2017 eu estive na escola para conhecer o caso dela e fazer uma reportagem para a Globonews. Acompanhei uma aula, a interação dela com os alunos, os feitos que de fato existem de premiação internacional e nacional que os estudantes conseguiram. Na época, o caso dela era pouco conhecido. Foi um sábado estimulante o que passei em sua sala.

Ontem voltei a falar com ela. Com voz rouca, interrompida às vezes pelo choro, ela reconhece o erro de ter exagerado nas conquistas. Ela se perde em detalhes que tentam justificar a referência ao pós-doutorado inexistente ou a afirmação que ela fez de ter entrado na Unicamp aos 14 anos. Ela diz que realmente passou no vestibular antes, quando era “treineira”, aquele estudante que prestava vestibular apenas para treinar. Não há muita explicação para ela ter dito que fez o que não fez. Joana se diz arrependida e pede desculpas seguidas.

Há muitos outros fatos a refletir nessa história de Joana D’Arc além de criticá-la por ter engalanado um currículo com pontos falsos. Se ela exagerou o que já era uma história notável — sair da pobreza para chegar ao doutorado pela Unicamp —foi também exagerado o tom da crítica. Ela sente que passou por um “linchamento”. Houve dias na semana passada que para ela se aplicava a música de Chico Buarque: “joga pedra na Geni”. É preciso pensar: o tom da reação, que considerou “imperdoável” o que ela fez, seria tão forte se ela não fosse negra? É uma questão que certamente divide opiniões mas que precisa ser encarada num país que sempre apartou os negros. Joana fez seu caminho sozinha, e quanto mais ascendia na vida escolar menos ela encontrava negros. Outra dúvida dessa história é se a violência das críticas não foi em grande parte pela cultura inclemente das redes sociais. É preciso pensar também no grau de exposição que recebe uma celebridade instantânea e como tudo isso é processado. É um caso que intriga tanta gente que continua vendo-a com admiração, mas se pergunta por que ela mentiu.

Na Etec de Franca ela tem todo o apoio de alunos, ex-alunos, colegas e diretor da escola. Lá, ela sempre foi a Joana, a professora que atrai os alunos para estudar e a sonhar com um futuro melhor. Hoje uma delas disse à Joana que antes de conhecê-la nunca havia pensado que era possível fazer curso superior e agora quer fazer Direito.

Sobre a prestação de contas da Fapesp, Joana pediu para reabrir o caso, alega que não teve acesso, e teve contas posteriores aprovadas, como as de 2011. Claro que ela tem muito a explicar, mas este não é o fim da sua história.

— Ela continua sendo a pessoa simples e direta. Uma professora nata, que faz o aluno desinteressado, ou que tem dificuldades, querer estudar química, e desenvolve nele a ânsia por saber mais. E como nós sabemos, é pela educação que vamos mudar este país —diz o professor Sandoval.

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