quarta-feira, 15 de maio de 2019

*Nilson Teixeira: Pouca transparência na Previdência

- Valor Econômico

Brutal diferença entre a média de proventos dos aposentados do setor privado e a da União perdurará por décadas

Há anos defendo maior acesso às informações do setor público, em particular aos microdados da Previdência Social. O clamor da imprensa e de congressistas por essa divulgação aumentou nos últimos meses. Todavia, não me parece que essa demanda tenha sido bem-sucedida. É muito difícil entender a resistência, que não é uma exclusividade da atual gestão, de se prestar informações detalhadas para a sociedade sobre os números do governo.

Mesmo sem justificativa razoável, o governo só divulgou o documento "Efeitos da Nova Previdência", com a palavra-chave #TransparênciaNovaPrevidência, em 25 de abril, após a aprovação da proposta do Executivo na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados. O relatório acrescentou muito pouco em termos de informações, pois os dados disponíveis continuam insuficientes para permitir a elaboração de previsões robustas.

O documento apresentou projeções de crescimento do PIB para três cenários distintos: básico; com reforma da Previdência Social; e sem essa reforma. O cálculo da economia de R$ 1,27 trilhão em 10 anos da proposta do governo assume uma expansão anual média do PIB até 2023 de 3% no cenário de aprovação da reforma e uma contração média de -0,5% na eventualidade de sua não sanção. Esse último cenário considera a expansão da atividade de 0,8% neste ano e de 0,3% em 2020, seguida de recessão nos anos seguintes, com contração de -0,5% em 2021, -1,1% em 2021 e -1,8% em 2023.

O cenário básico embute um crescimento do PIB entre 2,3% e 2,5% até 2023. Sob a hipótese de que os efeitos da reforma são lineares, os números sugerem que o governo atribui uma probabilidade de cerca de 80% de aprovação dessa reforma. De outra forma, as previsões referentes ao cenário básico indicam uma chance de que a economia obtida seja de 80% da obtida com a proposta original. Aparentemente, os participantes de mercado esperam diluição maior do que essa.

Essas projeções têm um papel relevante para a estimativa da economia com a reforma. Lamentavelmente, os cálculos são pouco confiáveis, pois não há uma base de dados comparativa sobre o tema. Depois de décadas elaborando projeções para a economia, sei que não é possível obter previsões robustas para esses dois cenários (com e sem aprovação da reforma), por maior que sejam o rigor e a técnica empregados na sua elaboração. Isso torna ainda mais importante a divulgação dos modelos e hipóteses utilizados pelo governo para prever uma diferença média de 3,5 pontos percentuais ao ano no desempenho da economia entre os dois cenários. Isso estimularia a elaboração de avaliações isentas sobre essa modelagem e permitiria que as previsões fossem aprimoradas.

O cálculo do impacto da proposta do governo é mais aberto para o Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que atende os empregados do setor privado, do que aquele relativo ao Regime Próprio da Previdência Social (RPPS), que cobre os servidores públicos federais. O aumento da idade para aposentadoria responde por 24% da economia em 10 anos de R$ 807,9 bilhões do RGPS. Enquanto isso, o aumento do tempo de contribuição é responsável por uma economia em 10 anos de 58% no segmento urbano, que responde por R$ 743,9 bilhões, e de 54% no total do RGPS. Já as propostas relativas à aposentadoria por invalidez e à pensão por morte explicam 26% da economia no segmento urbano. A abertura das informações referentes à economia no RGPS está distante do ideal, que corresponderia à divulgação integral dos microdados.

A transparência adicional oferecida pelo governo relativa ao RPPS da União foi ínfima. Sabe-se apenas que a economia em 10 anos no RPPS foi estimada em R$ 224,5 bilhões, sendo R$ 155,4 bilhões de redução da despesa, R$ 41,4 bilhões de aumento da receita e de R$ 27,7 bilhões relativos às novas alíquotas de contribuição. Termina aí a abertura dos dados do RPPS. As informações existentes não permitem elaborar nenhuma simulação robusta para diferentes alternativas de políticas previdenciárias. Não há justificativa para manter obscuro esse sistema.

Isso tem um custo para o país, pois os políticos não têm instrumentos suficientes para analisar essas alternativas. Eventuais alterações não serão suportadas por estimativas críveis e, sim por conceitos como o de supostos direitos adquiridos. Não é a forma apropriada de se promover o necessário ajuste previdenciário.

O documento do governo comprova a diferença expressiva entre o subsídio previdenciário concedido ao servidor público frente àquele oferecido ao empregado do setor privado. Para um salário, por exemplo, de R$ 10 mil no regime atual, o subsídio é ligeiramente acima de R$ 350 mil para um empregado do setor privado e por volta de R$ 1,75 milhão para um servidor público. A aprovação da proposta reduziria esses valores para, respectivamente, R$ 75 mil e R$ 750 mil. Mesmo com sua aprovação, que reduz os subsídios por beneficiário, a diferença continuaria enorme. Apesar de a economia para o mesmo salário em termos absolutos ser maior no caso dos funcionários públicos, o projeto do governo reduz o subsídio concedido ao empregado do setor privado em cerca de 75%, enquanto o subsídio oferecido ao servidor público diminui 55% aproximadamente.

Ademais, o documento não deixa claro para a sociedade que a brutal diferença entre a média dos proventos dos aposentados e pensionistas do RPPS da União (R$ 29,1 mil no Legislativo, R$ 19 mil no Judiciário e R$ 8,8 mil no Executivo) e a do RGPS (R$ 1,3 mil) perdurará ainda por décadas.

Apesar de ser um direito de todos nós, o setor público continua restringindo o acesso à informação. Quando clamo em favor da maior transparência, tenho em mente a abertura dos microdados e da memória de cálculo das estimativas do governo. É preciso agir nessa direção para convencer a sociedade sobre a necessidade de um ajuste previdenciário expressivo para tornar o sistema sustentável. Por ora, a transparência na Previdência só está presente na palavra-chave do documento.

*Nilson Teixeira, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia,

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