sexta-feira, 24 de maio de 2019

Opinião do dia: Zygmunt Bauman*

Embora o mal em si – objeto de nossa investigação – possa ser visto como companheiro permanente e inalienável da condição humana, seus modos e formas de operação, particularmente em sua atual encarnação liquefeita, fenômenos novos; merecem um tratamento distinto, no qual, precisamente, sua novidade seja colocada no centro das atenções. É da natureza de todos os líquidos serem incapazes de manter por muito tempo qualquer um de seus aspectos e formas sucessivamente adotados. Os líquidos estão perpetuamente in statu nascendi – sempre “se tornando”, sem adquirir alguma forma consumada: uma qualidade percebida por Heráclito, mais de dois milênios atrás, ao observar que ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, como constatou Platão no diálogo Crátilo. O que se deve – e urge – fazer quando se pretende representá-lo da forma mais ampla possível é descobrir as nascentes do rio e seus mais volumosos tributários, traçar a trajetória do seu leito(ou, se surgir necessidade, suas múltiplas trajetórias – coexistentes ou alternadas) e mapeá-la (mesmo estando alerta para o fato de que aquilo que se pode alcançar, em ultima instância, é mais da natureza de um instantâneo que uma imagem conclusiva e permanente do fenômeno em questão.

*Zygmunt Bauman (1925- 2017) foi um sociólogo e filósofo polonês, professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia. ‘Mal líquido’, pp.7-8, Editora Zahar, 2019

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