sábado, 25 de maio de 2019

Ricardo Noblat: Dois homens e um destino

- Blog do Noblat / Veja

Guedes ameaça sair. Bolsonaro abre a porta
De tédio jamais morreremos nos próximos três anos e sete meses. O governo mais acidental e conflituoso de todas as épocas desrespeita a trégua que deveria se dar, e também ao país, pelo menos nos fins de semana. Em tempos idos, a sexta-feira era o dia do boato. E a segunda-feira, de feriado bancário para o anúncio de medidas econômicas extraordinárias.

Agora, qualquer dia é dia de conflito interno no governo, sem esquecer os externos alimentados diretamente por ele que não sabe viver em paz. Em entrevista à VEJA, o ministro Paulo Guedes, da Economia, admitiu pedir as contas se o Congresso aprovar “uma reforminha” ao invés da robusta e ambiciosa reforma da Previdência desejada por ele e capaz de abrir as portas para um mundo novo.

De Pernambuco, onde se encontrava durante sua primeira visita ao Nordeste depois de empossado, o presidente Jair Bolsonaro respondeu de bate pronto: “Ele está no seu direito [de ir embora]. Ninguém é obrigado a continuar ministro meu”. Haveria espetáculo mais atraente do que um duelo ao por do sol entre dois velhos pistoleiros ligados pelo mesmo destino?

O temperamento irascível liga Bolsonaro a Guedes. O gosto por uma polêmica, também. Igualmente a disposição que eles têm para o uso da retórica como arma letal. Em linguagem das redes sociais, Guedes tentou lacrar Bolsonaro, que revidou tentando lacrar Guedes. E antes que esqueçamos, é bom lembrar que os dois estão do mesmo lado. Deveriam marchar no mesmo passo.

Guedes, diante do primeiro revide de Bolsonaro, fez questão de repetir o que também dissera na entrevista. Não, ele não é um homem irresponsável. Não, ele não deixará o cargo por qualquer motivo. Não isso, não aquilo. O Ministério da Economia apressou-se a distribuir uma nota para abortar mais uma crise capaz de abalar o governo. Ou de pô-lo abaixo, no extremo.

Aconselhado por assessores, Bolsonaro passou o resto do dia demolindo sua própria declaração inicial. Não, se Guedes quiser sair deve ser para ir a uma praia (kkkkkkkkkk). Não, Guedes está certo quando alerta para o perigo de o Congresso aprovar uma reforma do tamanho de “pinto de japonês” (kkkkkkkkkkkkkk). O casamento dos dois é forte e seguro, taokey?

A verdade é que Guedes está irritado com Bolsonaro e desesperado com a falta de articulação política do governo. Sente-se praticamente só à frente da batalha para que a reforma da Previdência acabe aprovada. E, pior, à frente de tropa nenhuma. Talvez de um arremedo de destacamento mal treinado e sem disciplina para a tarefa a se que propõe.

O ministro aproveitou a entrevista para dar um abatimento na reforma pretendida. Ela deveria representar uma economia de 1 trilhão e duzentos milhões de reais. Guedes baixou para 800 bilhões. Ora, ora, ora… Guedes piscou primeiro. Se ele baixa para 800 bilhões, aceitará um pouco menos. Quem sabe 600 bilhões e não se fala mais nisso?

Delfim Neto é comunista!

Ah, se os bolsonaristas soubessem o que pensa o ex-ministro...
“Estamos na boca de um buraco negro que está atraindo tudo lá para dentro. A conjuntura está piorando a uma velocidade enorme”, diz o ex-ministro Antônio Delfim Netto, da Fazenda, em conversa com a jornalista Cláudia Saflate, do jornal “Valor”.

O buraco atende pelo nome de Jair Bolsonaro, presidente da República, mas isso Delfim não diz com todas as letras, apenas sugere. Em menos de uma semana, Delfim é o segundo remanescente do antigo regime militar a temer o pior.

O primeiro foi o ex-presidente José Sarney. Em entrevista ao “Correio Braziliense”, ele disse que Bolsonaro aposta “todas as suas cartas no caos”. Sarney tem 89 anos de idade. Delfim, 91. Os dois pensavam que já haviam visto quase tudo. Enganaram-se.

Delfim considera que as manifestações de apoio a Bolsonaro marcadas para amanhã serão “um ponto de inflexão nos rumos do governo e do país”. Se forem grandes, o presidente tenderá a se achar forte o suficiente para impor restrições à democracia.

Se forem pequenas, ele virará uma espécie de rainha da Inglaterra. Na primeira hipótese, se Bolsonaro atentar contra a democracia, produzirá uma crise institucional que provavelmente desaguará em um processo de “impeachment” e o país terá uma nova eleição.

Intuição ou torcida? Delfim prevê que as manifestações serão fracas. Nesse caso, “Bolsonaro terá que se render à ideia de que fazer uma política republicana de divisão do poder com os partidos não significa participar de corrupção”. Na democracia é assim.

“Se alguém tiver a ilusão de que vai poder violar os dispositivos da Constituição de 1988, terá uma grande surpresa”, adverte Delfim. “Um dos grandes erros de Bolsonaro e dos seus seguidores é pensar que a voz do povo é a voz de Deus. Não é”.

E logo o ex-ministro se apressa a ensinar: “A voz do povo é a voz do diabo, que está se divertindo. O povo não tem lealdade. Ele é influenciável”. Outro erro de Bolsonaro: atribuir à esquerda as manifestações contra o corte de verbas para a Educação.

A esquerda não coopta “mais ninguém depois do tumor de fixação que se criou no PT!”, destaca Delfim. Quem participou dos atos de protesto naquele dia em mais de 200 cidades foram os alunos e os pais bolsonaristas “que constituem a maioria”.

Para Delfim, “temos, em cinco meses, a maior densidade de lambança por unidade de tempo já vista no país”. Controvérsias que ameaçam espalhar o fogo são obras do governo. É como o cara que atravessa a rua só para pisar numa casca de banana.

Bolsonaro governa à base de atritos. No mais recente, provocado pelo filósofo Olavo de Carvalho, quis demitir o general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo. “Ele desmoralizou os militares que estão do lado dele!”, afirma Delfim, perplexo.

O Brasil caminha para uma depressão econômica, reconhece Delfim. Se a reforma da Previdência for rejeitada pelo Congresso ou exageradamente desidratada, aí o país estará no pior dos mundos. Será o salve-se quem puder.

Jogada de amador

Com as digitais do Congresso
Se a bala de prata do governo para aprovar a reforma da Previdência era a ameaça do ministro Paulo Guedes de bater a porta e ir embora, ela passou longe do seu alvo, o Congresso.

Ninguém ali ficou com medo. Guedes é um recém-chegado à órbita do poder. De tão temporário, mora em um hotel e não se preocupa em fazer amigos em Brasília.

A reforma da Previdência será aprovada, sim senhor, mas do tamanho que o Congresso quiser. A possível demissão de Guedes foi lida ali como uma chantagem que não produzirá efeito.

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