quarta-feira, 15 de maio de 2019

Tabela congelada: Editorial / Folha de S. Paulo

Correção deveria vir acompanhada de medidas para ampliar o peso do IR na receita

Em circunstâncias normais, corrigir a tabela do Imposto de Renda de modo a manter estável a carga sobre as pessoas físicas é medida justa e corriqueira. Quando o colapso orçamentário do governo está a ameaçar serviços e obras públicas, porém, as prioridades têm de ser escolhidas com mais cuidado.

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) decerto buscou agradar aos contribuintes quando anunciou a medida, no domingo (12), em entrevista a um programa de rádio. Dois dias depois, esta Folha noticiou que o governo prepara um novo bloqueio de gastos, depois de já ter contingenciado por meio de decreto quase R$ 30 bilhões neste ano.

Não há como dissociar os dois temas. A prometida correção da tabela significará, quando e se levada a cabo, menor arrecadação —e, em consequência, mais cortes de despesas. Cumpre, portanto, comparar benefícios e custos.

A escassez de verbas, agravada pelo mau desempenho da economia, afeta principalmente os investimentos a cargo do Tesouro Nacional. Estes somaram pouco mais de R$ 50 bilhões em 2018, apenas 0,78% do Produto Interno Bruto. Para manter o patamar de quatro anos antes, a cifra teria de ficar na casa dos R$ 90 bilhões.

O quadro contribui para as deficiências do país em infraestrutura, para a crise na construção civil e, portanto, para o desemprego.

Mas os cortes também atingem duramente atividades tão essenciais quanto o custeio das universidades públicas e as bolsas para pesquisa. Mesmo com a perspectiva de uma reforma da Previdência, os ajustes tendem a continuar severos nos próximos anos.

Do outro lado da conta, não resta dúvida de que o congelamento da tabela do IR é um modo tortuoso e pouco transparente de elevar a receita do governo. Além do mais, utilizado em excesso: calcula-se defasagem das faixas em torno de 95% acumulados desde 1996.

Entretanto deve-se considerar que a tributação direta da renda permanece relativamente baixa no Brasil, onde a carga total —de exagerados 32,43% do PIB— concentra-se em demasia no consumo.

Não seria despropositado, portanto, elevar o peso do IR na arrecadação pública, sem elevá-la no todo, em especial com a taxação dos maiores rendimentos.

Uma revisão mais ampla das regras do imposto poderia, sim, permitir a correção da tabela evitando maiores danos colaterais. Esse também parece ser o entendimento da área técnica, que, no entanto, foi mais uma vez ignorado pelo voluntarismo de Bolsonaro.

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