domingo, 19 de maio de 2019

Vinicius Torres Freire: O que fazer de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Presidente insinua que forças terríveis do sistema o impedem de governar

“Vamos quebrar o sistema”, dizia Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral. Ele seria o candidato a ser vencido ou morto, pois “quebraria o sistema”. Ele daria solução à crise quando “quebrasse o sistema”.

Na sexta-feira (17), o presidente distribuiu pelo celular um texto que lamenta a vitória do “sistema”. Forças terríveis das “corporações” que vampirizam o Estado, com apoio do Judiciário e do Congresso, impediriam Bolsonaro de governar.

Assessores dizem que o presidente está com “estafa” e, com outras palavras, que está mais paranoico ou “muito amargurado” desde que passou a lidar com o Congresso e com “deslealdades” de ministros que parecem se juntar às forças terríveis do “sistema” que o empareda.

O pote até aqui de mágoa e ressentimento que em suma é Bolsonaro transbordou de vez com o anúncio da investigação ampla dos negócios da família, a começar pelas transações do núcleo Flávio, o filho 01.

Segundo um assessor, seria esse o “tsunami” a que se referiu o presidente na semana retrasada. O texto sobre o “sistema” teria sido um “desabafo”.

Seja lá o que se passe nas profundezas da noite obscura da alma presidencial, o destampatório de sexta-feira faz sentido.

Os ímpetos demagógicos de Bolsonaro se frustram, viram fumaça sob o calor de leis e normas em geral. Basta lembrar-se do dedaço no preço do diesel, da censura do reclame do Banco do Brasil, do desvario de baixar o Imposto de Renda etc. Mesmo o decreto bangue-bangue, o do porte de armas, está sub judice.

O presidente tem de recuar. Como se escrevia nestas colunas ainda na quarta-feira (15): “No limite, Bolsonaro pode dizer que forças ocultas atrapalharam seu governo, terceirizando a responsabilidade”.

Não é apenas dramalhão íntimo. Essa conversa das forças terríveis do “sistema” é idêntica àquela que a militância tuiteira do bolsonarismo voltou a espalhar desde o início do mês, com ataques renovados a ministros do Supremo Tribunal Federal e à Câmara tomando o lugar das mordidas rábicos nos militares.

Estão nas redes insociáveis do bolsonarismo campanhas como a “Vamos invadir Brasília” e “Vamos invadir o Congresso”.

O Congresso reage. Outra vez na semana que passou se ouviu falar de “parlamentarismo branco”, que é uma bobagem ou apenas metáfora para o impasse político, pois é inviável que a Câmara dos Deputados governe.

Faz quase três meses, depois do arranca-rabo entre Rodrigo Maia e Bolsonaro, fala-se de “pauta própria” da Câmara. “A reforma da Previdência será de certa forma um projeto do Parlamento, um roteiro adaptado, baseado na história original elaborada pelo Ministério da Economia”, como se escrevia aqui em março.

Gente da cúpula do Congresso quer mesmo aprovar a reforma e, acredite-se, evitar que o país entre em colapso. Mas não quer dar um presente a Bolsonaro.

Um presidente que cria baderna política e não faz acordo algum levaria de graça o prestígio e o poder renovados que adviriam de uma possível recuperação econômica. Além de espezinhados pelas redes e por Bolsonaro, os deputados ficariam apenas com o “trabalho sujo” e politicamente pesado de aprovar reformas.

Há quem diga que, sendo assim, é melhor fazer o “governo possível” e tolher poderes presidenciais. Por exemplo, conter de modo estrito a emissão de medidas provisórias e impedir nomeações presidenciais mais intragáveis. Seria a solução de fato, se não é possível se livrar de direito de Bolsonaro.

Vai ser difícil que isso preste. Mas é o que temos.

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