domingo, 23 de junho de 2019

A hora dos juros: Editorial / Folha de S. Paulo

Piora da atividade econômica justifica uma taxa mais baixa

Com a economia brasileira em risco de uma recaída recessiva, num contexto de desemprego elevado e inflação cadente, causa espécie que o Banco Central ainda resista em indicar claramente uma redução de sua taxa de juros.

Tomada na quarta (19), a decisão de manter a Selic em 6,5% anuais não é fácil de justificar. Para início de conversa, o BC aponta que houve piora da atividade. Indicadores preliminares sugerem que o Produto Interno Bruto pode encolher de novo neste segundo trimestre, e as expectativas para a expansão no ano caíram abaixo de 1%.

Quanto à inflação, os próprios modelos utilizados pela autoridade monetária já apontam para números abaixo das metas de 2019 e 2020, fixadas em 4,25% e 4%, respectivamente. Mesmo nas simulações em que se consideram as expectativas de mercado de corte dos juros básicos para 5,75% neste ano, a inflação fica em 3,9% em 2020.

Até o cenário internacional parece contribuir. A decepção com o crescimento mundial e os riscos de guerra comercial levaram a maior parte dos principais bancos centrais do mundo a reduzir os juros —ou pelo menos indicar que o farão nos próximos meses.

Cortar o custo do dinheiro no Brasil, pois, está longe de se mostrar hoje uma aventura que ponha em risco o controle da inflação, avanço duramente obtido e que precisa ser preservado. Ao contrário, assim prescreve o modelo de metas de inflação nas condições atuais. Por que o BC ainda reluta?

A justificativa, destacada em comunicado oficial, tem o mérito de ser explícita —o risco de fracasso da reforma da Previdência e, em consequência, piora das altas públicas, alta das cotações do dólar e das expectativas inflacionárias.

Não é descabido levar em conta tais fatores nas decisões de política monetária, ainda mais na instável conjuntura nacional. A experiência mostra, ademais, que a queda de juros, por si só, está longe de constituir condição suficiente para o crescimento sustentável.

Mesmo com as ressalvas, entretanto, o custo do conservadorismo exagerado sobressai. A perspectiva de uma mudança satisfatória das regras das aposentadorias, aliás, é mais palpável atualmente do que um fiasco capaz de afetar a trajetória dos preços.

Um corte da Selic decerto não seria visto como imprudência. Trata-se de providência básica para mitigar os efeitos dramáticos da retração dos investimentos e da renda.

O BC terá condições de explicar melhor sua análise nos próximos dias, com as divulgações da ata da reunião do Comitê de Política Monetária e do relatório trimestral de inflação, seu principal documento de comunicação. Deve aproveitar essas oportunidades para ajustar o tom e sinalizar seus próximos passos com maior assertividade.

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