sexta-feira, 21 de junho de 2019

Bangue-bangue, tuítes e mágoas: Editorial / Revista Época

O premiê britânico Winston Churchill (1874-1965) é um dos líderes conservadores mais célebres do século XX e sempre foi visto como um inigualável defensor da democracia. Ninguém discute seriamente o heroísmo de Churchill ou o valor de sua liderança em face da “hora mais sombria” — quando a força militar de Hitler parecia prestes a dominar o mundo e havia eclodido a Segunda Guerra Mundial.

Em anos recentes, entretanto, acumulam-se ensaios sobre ações e declarações racistas, colonialistas e, principalmente, sobre erros políticos e militares que cometeu. A imagem de líder infalível não resiste à apreciação da história, porque afinal ninguém o é.

A inspiração em Churchill não serve para tudo. Não são poucos os exemplos que podem ser listados. Sua dieta diária de charutos, álcool e sono mínimo, para citar itens comezinhos, é uma receita rápida de desastre pessoal. Várias diretivas como primeiro-ministro foram questionadas por serem equivocadas, controversas ou até mesmo cruéis.

Ele se recusou, entre outros atos, a fornecer ajuda humanitária a países que enfrentavam a fome e suspendeu as liberdades civis em terras coloniais administradas pelos britânicos.

Embora certas atitudes e decisões de Churchill possam ser vistas hoje como odiosas ou extremas, conclui-se que ele era apenas um homem — falível, complexo, contraditório e aberto a preconceitos herdados. Refletia o espírito de um tempo em que “nascer inglês equivalia a ganhar na loteria”, como glorificou um magnata do qual foi contemporâneo.

Churchill era obstinado. Seu apego teimoso ao próprio ponto de vista, aliado a uma atitude arrogante, fez com que ignorasse, relativizasse ou distorcesse análises, levando a fracassos políticos. Não permitia que vozes dissidentes desafiassem suas suposições, expressassem seus pontos de vista ou apresentassem estratégias alternativas. Os méritos de suas ações pareciam sempre evidentes, resumiu um de seus biógrafos.

Este longo arrazoado sobre um ícone da política é uma tentativa de manejo de ferramentas da história para interpretar a ação recente do presidente Jair Bolsonaro em relação à própria equipe. Provocou estarrecimento a forma como demitiu o ministro da Secretaria de Governo, forçou a saída do presidente do BNDES e anunciou o afastamento do presidente dos Correios.

Se a participação em governos anteriores for empecilho para atuar com Bolsonaro, a lista de servidores a ser demitidos passaria da dezena, incluindo técnicos do Ministério da Economia, executivos de agências reguladoras e até um ministro militar. Se tal empecilho for ampliado para o Congresso, a já minguada base governista se resumiria a alguns poucos neófitos na casa.

Políticos cometem erros o tempo todo. No entanto, em tempos de crise, é necessário um tipo particular de liderança que seja sensata, responsável e agregadora. Preconceitos cognitivos, ideológicos e culturais são atalhos para julgamentos equivocados, com consequências devastadoras em termos de perda de recursos, quadros e políticas públicas. Lamentavelmente, Bolsonaro se qualifica a repetir uma das frases mais funestas atribuídas a Churchill: “O que eu espero, senhores, é que, depois de um razoável período de discussão, todo mundo concorde comigo”.

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