sexta-feira, 7 de junho de 2019

BCE e Fed apontam de novo para a distensão monetária: Editorial / Valor Econômico

O Banco Central Europeu consolidou sua volta rumo à política de distensão monetária, seguindo os passos do Federal Reserve Bank americano. Europa e Estados Unidos continuarão com as taxas de juro baixas de agora, com a quase certeza de reduções no futuro. Com o custo do dinheiro a zero na maior parte do continente europeu e levemente positivas nos EUA, recuos da inflação acendem de novo a luz amarela - a ameaça de que a taxa de juros caia abaixo de zero mais uma vez, condição sob a qual os bancos centrais tiveram de atuar diante a maior recessão desde a crise de 1929. Onze anos após a crise financeira, e US$ 15 trilhões de aumentos de reservas dos BCs dos países desenvolvidos do mundo, esse risco ainda ronda a economia global.

Os diagnósticos do BCE e do Fed quase não divergem nas causas, mas na ênfase, dada a diferença de condições e a posição no ciclo em que se encontram suas economias. Em ambas há sinais claros de desaceleração e de recuo da inflação, o que aperta as condições financeiras mesmo que os juros sejam historicamente baixos. Os EUA, segundo a maior parte dos analistas, estão no fim de um longo ciclo de crescimento e a direção agora é para baixo, como caracterizou esta semana o Morgan Stanley. Daí a enfrentar uma recessão no curto prazo vai uma distância sobre a qual não há unanimidade. O JP Morgan, por exemplo, vê crescerem as chances de um mergulho recessivo a partir do segundo semestre do ano.

Mario Draghi, que deixa o BCE em breve, resumiu os motivos pelos quais os riscos que se colocam para a zona do euro são negativos: "prolongada presença de incertezas relacionadas a fatores geopolíticos, ameaça crescente do protecionismo e vulnerabilidades nos países emergentes". A inflação de maio na zona do euro caiu para 1,2% (foi de 1,7% em abril) e o crescimento será modesto, de 1,2%. A projeção do BCE para a inflação ilustra as dificuldades do banco em atingir a meta de perto de 2%. Ainda em 2021, ela estará em 1,6%. Já os preços do mercado futuro de petróleo indicam, segundo o banco, inflação menor na zona do euro nos próximos meses.

A expansão econômica não vai muito melhor, segundo a previsão: 1,4% em 2020 e 2021. Draghi prometeu acionar todos os instrumentos à disposição, entre eles o de retomar o afrouxamento quantitativo (o último foi de € 2,6 trilhões) e tornar os juros ainda mais negativos, se necessário. Um dos objetivos imediatos é evitar que a perda de fôlego do setor manufatureiro exportador se propague para os demais setores.

Os investidores americanos, por seu lado, apostam que o BC americano fará três cortes de juros de 0,25 ponto percentual - as chances disso acontecer, segundo os preços futuros dos fed funds, é agora de 63%. Os rendimentos dos títulos do Tesouro de curto e longo prazo estão cedendo bastante. O papel de 10 anos rendia ontem 2,09%, abaixo dos 2,25% a 2,5% que o Fed fixou para a meta de juros. Movimento semelhante seguiram os Bunds alemães do mesmo prazo, que bate recorde de baixa, com rendimento negativo de 0,23%.

Os mercados estão buscando sinais de que o Fed caminhará nessa direção rapidamente, já que enxergam uma recessão não muito além da esquina, perspectiva que o BC não endossa e para a qual não atribui grande probabilidade. Assim, bastou uma frase do presidente do Fed, Jerome Powell, em um longo discurso no encontro do banco em Chicago para que as bolsas voltassem a subir. Powell, referindo-se aos riscos da guerra comercial desencadeada por Trump, apenas disse que o Fed "agirá de forma apropriada para sustentar a expansão econômica, um mercado de trabalho robusto e a inflação perto do objetivo simétrico de 2%". E não mais que isso.

O Fundo Monetário Internacional apontou os efeitos para a economia global da disputa comercial EUA-China, que roubará 0,5 ponto do PIB global de 2020 só pelo efeito das tarifas. Além disso, os investidores reduziram seu apetite por papéis sem grau de investimento e títulos e ações dos países emergentes. Estatísticas do Instituto de Finanças Internacionais (IIF), mantido por grandes bancos, apontam saída constante de aplicações em ações desde que Trump anunciou mais sanções tarifárias sobre bens chineses.

Na onda atual o dólar tem mostrado baixo fôlego de alta. Para o Brasil, a curto prazo, importa o canal financeiro e a percepção de que o Fed poderá começar a reduzir os juros em um futuro não tão distante deve suavizar pressões por desvalorizações adicionais do real. A instabilidade, de qualquer forma, aumentou e isso é um mau sinal. Crescer fica mais difícil nesse ambiente.

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