segunda-feira, 10 de junho de 2019

Certezas e incertezas da macroeconomia brasileira

Sem políticas voltadas ao crescimento o Brasil estará condenado a uma quinta década de expansão medíocre

Por Carlos Luque*, Simão Silber** e Roberto Zagha*** / Valor Econômico

A macroeconomia evoluiu em resposta a crises econômicas. A crise de 1929 levou à Teoria Geral de Keynes e conceitos novos: PIB, contas nacionais, demanda agregada, equilíbrio com desemprego, armadilha da liquidez, curva de Philips e políticas de estabilização. Estas ideias resultaram em quatro décadas prósperas.

Nos anos 70 economias avançadas se defrontaram com inflação e estagnação que as políticas de inspiração keynesiana não puderam resolver. Apareceram novos ingredientes: expectativas racionais e o poder de regras estáveis na condução de políticas macroeconômicas. Surgiram novas práticas: regras simples, bancos centrais independentes, metas de inflação, taxa de juros como principal instrumento de política monetária, regra de Taylor e ceticismo sobre o poder estabilizador de políticas fiscais.

Durante quatro décadas estas ideias permitiram às economias avançadas crescer com inflação baixa. "A Grande Moderação" levou muitos a pensar que flutuações econômicas e o keynesianismo faziam parte do passado.

Poucos economistas previram a Grande Crise de 2008. Foi um choque tanto intelectual como econômico. Levou ao abandono de regras que tinham dominado a prática de políticas macroeconômicas desde os anos 70 e ressurreição de políticas fiscais para estabilizar a economia. Pôs em marcha introspecção acadêmica das crenças que dominaram o pensamento econômico.

Este sumário simplificado ilustra que a macroeconomia está em evolução e não permite certezas. 

Também explica a prática da macroeconomia frequentemente à frente da teoria. As políticas fiscais de defesa do emprego nos EUA e alguns países europeus na década de 30 se anteciparam à teoria keynesiana. As políticas da "Grande Moderação" se basearam em modelos que, apesar de sofisticados, não deixaram de ser casuísticos. Experimentação e prática são inerentes às políticas macroeconômicas. Os países do Leste Asiático repeliram as políticas de abertura da conta financeira depois da crise de 1996-97. E aqui no Brasil o sucesso do Plano Real ilustrou as limitações da ortodoxia econômica (o FMI se recusou a financiar o Plano).

A incerteza sobre o modelo macroeconômico aplicável coexiste de forma desconfortável com a certeza dominando as políticas macroeconômicas brasileiras dos últimos 20 anos: superávits primários, juros altos, metas de inflação e câmbio apreciado por muitos anos. Estas políticas deram certo por um tempo. Até darem errado. Face ao desemprego alto, crescimento anêmico e dívida pública explosiva, a reação dos economistas nacionais e internacionais (IPEA, FMI, Banco Mundial, OCDE) evitou questionamento e introspecção intelectual. Tem sido de "Mais é Melhor": mais arrocho fiscal, mais independência do banco central e metas de inflação mais ambiciosas.


Em vários artigos no Valor e no livro "Juros, Moeda e Ortodoxia", André Lara Resende coloca em dúvida "certezas" guiando nossas políticas econômicas. Três dessas ideias têm consequências práticas imediatas:

Política monetária: quando o BC aumenta a taxa de juros para contrair a demanda agregada, os gastos do governo aumentam. No Brasil, onde os juros pagos pelo Tesouro chegam a 6% do PIB, as consequências fiscais são importantes. ALR corretamente conclui: "Não se pode separar a política monetária da política fiscal, porque a política monetária tem consequências fiscais. A autonomia do Banco Central não pode ser total, pois, sem coordenação com a política fiscal, a atuação do Banco Central pode ser contraproducente".

Taxa de juros: em palestra no começo deste ano, Olivier Blanchard nota que um crescimento nominal do PIB acima da taxa de juros nominal implica a queda da dívida pública em relação ao PIB. Portanto aumentos da dívida sem aumento futuros de impostos são possíveis. ALR conclui: "A taxa básica de juros deveria ser reduzida, acompanhada do anúncio de que, a partir daquela data, seria sempre fixada abaixo da taxa nominal de crescimento da renda".

O dano causado à economia brasileira por 20 anos de juros elevados foi grande: entre janeiro 2012 e janeiro 2018 a dívida pública aumentou em R$ 2,6 trilhões. Deste aumento 11% correspondem ao financiamento de déficits primários e 87% ao pagamento de juros. Foram causa importante da deterioração das contas fiscais e contração do investimento público - impossíveis de repor. Juros altos também apreciaram a taxa de câmbio, causa importante da desindustrialização do país e ocasionaram níveis artificiais de investimento estrangeiro direto. Ainda assim, a sugestão de ALR é arrojada e difícil de ser introduzida sem um período de transição. O mais realista seria, além da inflação, o crescimento nominal do PIB também ser uma variável determinante da taxa de juros.

A experiência dos últimos anos invalidou três das hipóteses que justificam as altas taxas de juros no Brasil: a) juros altos refletiam o risco país, i.e., o risco de moratória, similar ao que aconteceu em 1990; b) a tese de "incerteza jurisdicional" (à qual ALR esteve associado): as leis no Brasil introduzem risco maior para os credores; c) juros altos são consequência de dívida alta. Entre 2015 e 2019, a dívida pública aumentou de 50% em relação ao PIB e os juros reais caíram significativamente.

A consequência é que poderíamos colocar as finanças públicas numa trajetória sustentável sem as medidas draconianas dos últimos anos. Precisamos de um aumento significativo dos investimentos em infraestrutura, acompanhado de uma modernização do sistema tributário e uma melhora da qualidade da despesa pública como parte essencial de uma estratégia de crescimento sem a qual os problemas econômicos do país não serão resolvidos.

O novo governo trouxe esperança, mas as ideias guiando as políticas econômicas não estão dando resultado. A teoria macroeconômica não é feita de verdades absolutas e suas convicções são desmentidas em algum momento. Os economistas devem estar abertos a novas ideias. Se não aceitarmos o desafio, introduzindo políticas econômicas voltadas ao crescimento, estaremos condenados a uma quinta década de crescimento medíocre.

*Carlos Luque é professor da FEA- USP e presidente da Fipe.
**Simão Silber é professor da FEA-USP.
***Roberto Zagha foi professor assistente na FEA-USP nos anos 1970 e no Banco Mundial a partir de 1980, onde encerrou a carreira em 2012 como secretário da Comissão sobre o Crescimento e o Desenvolvimento, e diretor para a Índia.

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