segunda-feira, 10 de junho de 2019

Cumprir regra de ouro será desafio para governo até 2022: Editorial / Valor Econômico

Sem acordo entre os parlamentares, a Comissão Mista de Orçamento do Congresso adiou para esta semana a votação do PLN 4/2019, que abre crédito suplementar de R$ 248,9 bilhões para a União pagar despesas sem descumprir a regra de ouro das contas públicas. O governo precisa da aprovação dessa medida para não ser responsabilizado pelo descumprimento do preceito constitucional que veda a emissão de dívida pública para bancar gastos correntes, como pagamentos de Previdência e pessoal.

Com o problema ainda sem solução, o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe econômica se aproximam de um momento no qual terão que decidir se continuam pagando algumas despesas, correndo o risco de processo até por crime de responsabilidade, ou se as paralisam, gerando grave transtorno social.

A questão para o atual governo foi a complicada negociação do ano passado entre o Planalto e o Congresso na elaboração do Orçamento de 2019. A peça aprovada estabeleceu que o pagamento das despesas como Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada (BPC), parte da Previdência e Plano Safra ficaria vinculado à aprovação do crédito suplementar.

Da forma como foi escrito, não há escape juridicamente seguro que não seja o de obter a autorização de deputados e senadores para efetuar o pagamento dessas despesas. A alternativa de um crédito extraordinário, alegando emergência para evitar o "shutdown", pode até ser considerada, mas não sem risco de fortes contestações no Judiciário, dado que o requisito da imprevisibilidade da despesa não estaria contemplado nesse caso.

Apesar de ter revisado para R$ 146,7 bilhões sua estimativa de insuficiência (déficit) na regra de ouro, a aprovação desse valor R$ 100 bilhões inferior ao originalmente previsto não resolveria o drama dos gestores federais. É que o pagamento das despesas demandaria, nesse caso, a aprovação de outro projeto, como o Valormostrou na semana retrasada, autorizando os gastos, que ficaram vinculados à aprovação do crédito.

Assim, ou o Congresso aprova o valor integral do crédito definido no Orçamento ou vota dois projetos, um com o valor menor para cobrir a insuficiência estimada pela área econômica e outro autorizando o gasto mediante remanejamento de recursos financeiros do Orçamento.

Com a confusa situação política do Congresso, nada garante que os deputados e senadores votarão a proposta. E a precária articulação política do governo tampouco permite apostas.

Conforme já assinalou o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, sem aprovação do PLN 4 até o fim desta quinzena, o processo de paralisia de alguns programas e a suspensão de determinadas despesas já começam a se tornar realidade.

Os primeiros gastos que podem ser interrompidos são o Plano Safra (que faz parte da rubrica subsídios) e o BPC, cujas dotações orçamentárias estão se esgotando ao longo deste mês. Só o BPC ficará sem R$ 30 bilhões de disponibilidade para despesa, em breve. Se isso não for pago, fará um enorme estrago na vida das pessoas que dependem da concessão para sobreviver, além de danos em uma economia cuja demanda já está bastante debilitada.

Parece impensável que o Congresso estique tanto a corda ao ponto de permitir que segmentos menos favorecidos da sociedade fiquem sem a garantia de sobrevivência. Mas, se isso acontecer, a responsabilidade tem que ser dividida com o Palácio do Planalto, que, em mais uma atitude de inépcia política, deixou atrasar tanto a negociação desse tópico absolutamente relevante.

É de se esperar que as disputas políticas e interesses menores fiquem de lado e os parlamentares solucionem o problema.

Faz-se necessário dizer, contudo, que esse episódio não encerra a questão do problema da regra de ouro. Documento do governo enviado ao Congresso mostra que, para 2020, a projeção de déficit é ainda maior: R$ 264,9 bilhões. E continua alto, na casa de R$ 150 bilhões, nos dois anos seguintes.

Essa regra fiscal, a única que busca o equilíbrio fiscal preservando o investimento público, precisa ser revista para se tornar um instrumento efetivo de melhoria do quadro fiscal em um país que terá o sexto ano seguido de déficit primário. Talvez caminhar para um modelo semelhante ao teto de gastos, com gatilhos para ajustar despesas obrigatórias, como chegou a ser cogitado pelo governo Temer.

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