terça-feira, 25 de junho de 2019

Fabio Graner: Riscos do plano "Mais Brasil e Menos Brasília"

- Valor Econômico

União pode perder receita e ainda ter de socorrer os entes

Repetido à exaustão desde que Paulo Guedes assumiu o Ministério da Economia, o plano de maior descentralização de recursos públicos para Estados e municípios ainda é uma miragem. O conceito "Mais Brasil e menos Brasília" é um dos princípios basilares do liberalismo de corte americano preconizado por Guedes, mas as especificidades da economia e do federalismo brasileiro demandam cautela na execução desse objetivo.

Apesar de ainda incipiente, a ideia causa preocupação em integrantes do próprio governo, do setor privado e mesmo de fontes do Tribunal de Contas da União (TCU) - que já alertaram técnicos da equipe econômica sobre riscos envolvidos. Uma das questões apontadas é que um processo dessa natureza, no fim dos contas, pode deteriorar a situação fiscal da União sem qualquer garantia de maior efetividade no gasto.

O risco para o governo federal é duplo. Primeiro, pela perda de receitas que isso deve propiciar e, depois, pela possibilidade de, mesmo fortalecendo o caixa dos outros entes, no fim das contas a União ser chamada a socorrê-los, algo recorrente nos últimos anos.

Na área econômica, o plano conta com percepções diferentes. Há quem se preocupe com o risco de se repetir o que ocorreu no Rio de Janeiro. O Estado viveu um boom de receitas do petróleo, mas quebrou quando a bonança se foi, por ter direcionado o dinheiro em grande parte para os rígidos gastos com pessoal.

A outra vertente, alinhada à ideia do ministro, considera que não se pode tratar os entes federativos como "inimputáveis". Uma fonte ressalta que a visão de Guedes é de fato muito alinhada com o que ocorre nos Estados Unidos e que o caminho faz sentido, embora precise ser bem costurado para evitar problemas.

Uma fonte do TCU pondera que a diferença nos Estados Unidos é que lá o ente que cai na irresponsabilidade fiscal não é socorrido pela União. Estados e municípios simplesmente quebram, como ocorreu com Detroit, cidade que foi polo da indústria automotiva e depois entrou em decadência até falir.

"No sistema americano funciona porque a cidade quebra, não se pega dinheiro de todo mundo para salvá-la. Aqui, você tira dinheiro de todo mundo para pagar o Rio de Janeiro", disse a fonte. "Você descentraliza o recurso, o poder, e não a responsabilidade. Quando o cara faz errado, a conta vem para a União. Olha o exemplo: os entes que fizeram o dever de casa pagam pelos que não fizeram. Por que isso mudaria? A única coisa que vai mudar é a União ter mais dificuldade para ajudar", acrescentou esse interlocutor, considerando ainda que seriam necessárias muitas mudanças de regras para responsabilizar Estados, municípios e gestores.

Para Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e especialista em contas públicas, ampliar as transferências para Estados e municípios como indica Guedes pode gerar um desperdício grande de recursos e elevar o risco de a União quebrar.

Segundo ele, o plano "Mais Brasil e menos Brasília", se ficar só no aspecto financeiro, trará problemas, pois corporações regionais tendem a se empoderar e induzir a um mau uso de recursos públicos, gerando mais riscos para a União, que ainda perderá receitas.

Pires lembra que desde os anos 90 os municípios e a União têm sido os grandes vencedores da partilha de recursos tributários. No caso das prefeituras, os benefícios foram o crescimento do setor de serviços, que elevou receitas do ISS, e a valorização imobiliária, que fortaleceu o IPTU. Além disso, tiveram aumento do Fundo de Participação. No lado da União, houve reforço de arrecadação por meio de contribuições não compartilhadas.

"Os grandes perdedores foram os Estados", disse, defendendo que se dê mais liberdade a esses entes para trabalhar sua máquina de arrecadação.

Pires não vê problema na ideia de dividir os recursos do bônus de assinatura dos leilões de petróleo do pré-sal (da área da cessão onerosa), pois isto daria fôlego para pagar os atrasados e é um evento único. Mesma opinião de algumas fontes do governo, que enxergam riscos de elevação de gastos com pessoal no caso de aumento permanente de transferências. "O passado não é inspirador", disse um interlocutor. "O bônus de assinatura preocupa menos porque é de uma vez só, deve ser usado para pagar atrasado", acrescentou a fonte.

Como conceito de ciência política, a ideia do ministro parece fazer sentido. Seria melhor que o dinheiro público estivesse majoritariamente nas cidades e nos Estados, onde supostamente se percebe melhor as necessidades da população. Mas em um país no qual os tribunais de contas estaduais fazem conluio com governos locais para, por exemplo, maquiar a contabilidade com pessoal, Guedes deve levar em conta os riscos do seu plano.

Além disso, em grande parte dos Estados e municípios, as pessoas sabem menos da política local do que da nacional, e a imprensa tem maior dificuldade para reforçar o controle social desse dinheiro.

Já a União está sob um escrutínio muito mais severo da sociedade, contando com um sistema de controle não só de órgãos como TCU e CGU, mas também com um Congresso que tem papel de fiscalizador e uma profusão de veículos de imprensa. Nesse sentido, a centralização parece menos suscetível à corrupção do que a descentralização, ao contrário do que aponta o "super ministro".

Conta dos juros
Enquanto o Banco Central insiste em manter a taxa básica de juros inalterada em 6,5% ao ano, mesmo com a queda da inflação projetada pelo mercado e pela própria autoridade monetária, a conta de juros do setor público segue ficando mais salgada. De janeiro a abril, dado mais recente disponível, essa despesa somou R$ 129,2 bilhões (5,6% do PIB, ante R$ 118,9 bilhões (5,4% do PIB) no mesmo período do ano passado.

O ministro Paulo Guedes gosta de lembrar que o Brasil gasta um "Plano Marshall" (que reconstruiu a Europa no pós-guerra) em juros por ano. Poderia aproveitar e lembrar o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disso. Afinal, metade da dívida bruta é de títulos atrelados à Selic e, na dívida líquida, 75,9%. Ou seja, a redução dos juros não só é uma demanda para uma economia deprimida, mas também para as combalidas contas públicas.

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