quarta-feira, 5 de junho de 2019

*Francisco Lopes: Sinais, ruídos e Pibinho

- Valor Econômico

Aprovada a reforma da previdência pode-se esperar crescimento do PIB de 3% no segundo trimestre de 2020

Nate Silver é um estatístico americano que ficou famoso por ter feito previsões quase perfeitas na eleição presidencial de 2008, incluindo a vitória de Barack Obama. Escreveu um belo livro com o título "O Sinal e o Ruído" em que discute porque tantas previsões falham em questões tão diversas como eleições, terremotos, doenças infecciosas, terrorismo, clima, aquecimento global, baseball, mercado de ações e Produto Interno Bruto. Aliás, Silver não é nada generoso em sua avaliação dos economistas, citando até a velha piada que eles sempre antecipam corretamente nove das últimas seis recessões.

Mesmo assim o livro tem uma mensagem útil para quem tentar prever o comportamento futuro de uma economia: nunca se esqueça de diferenciar sinais de ruídos. Sinais indicam movimentos que vão se prolongar ao longo do tempo, ao passo que ruídos são apenas "lixo estatístico" com impacto meramente transitório.

Esta distinção parece particularmente importante no momento em que números decepcionantes para a produção industrial e o Produto Interno Bruto do primeiro trimestre parecem ter produzido um sentimento generalizado de pessimismo com perspectiva de uma economia de "pibinho", cronicamente estagnada e que pode mergulhar em nova recessão a qualquer momento. Só que isto seria um equívoco se estivermos confundindo ruídos com sinais e a economia brasileira claramente sofreu o impacto de dois ruídos importantes no primeiro trimestre.

Um deles foi Brumadinho, a tragédia que levou a Vale do Rio Doce a paralisar defensivamente parte de sua produção em Minas Gerais. O impacto foi uma queda de 7,5% no item Indústrias Extrativas da produção industrial do IBGE, fazendo a comparação com o mesmo trimestre do ano anterior (trimestre contra trimestre, tct). Este número incorpora também uma queda não explicada da ordem de 1,3% tct na produção de petróleo. O impacto total no PIB foi uma retração de quase 3% tct no componente Extrativa Mineral. Pode ter ocorrido também um impacto indireto no PIB da Indústria de Transformação através de componentes de insumos industriais, resultando na queda observada de 1,7% tct.

Uma questão importante é por quanto tempo deve perdurar o impacto deste primeiro ruído? Isso dependerá da não ocorrência de novos problemas com barragens e da velocidade com que a empresa vai poder (e querer!) compensar a perda de produção em Minas Gerais com aumentos de produção em outras regiões. O impacto ainda pode ser relevante nos próximos meses, mas tende a se dissipar até o fim do ano.

O segundo ruído, talvez ainda mais importante, resultou da crise argentina e do impacto do colapso da atividade produtiva naquele país sobre a indústria brasileira. Nos doze meses até março a produção industrial argentina caiu 13%, uma queda semelhante à que ocorreu no Brasil em 2015. A queda na produção de automóveis foi, porém, de 56% no mesmo período. A impressão que se tem é que a indústria automobilística argentina está simplesmente desaparecendo, com nível de atividade agora inferior a 20% do que tinha em 2013.

O impacto da crise argentina na atividade industrial brasileira é fácil de entender tanto do ponto de vista da perda de mercado para produtos finais como da integração nas cadeias produtivas. O valor em dólares de nossas exportações para o Mercosul apresentava queda em doze meses de 41% até março. No caso da indústria automobilística, entre o último trimestre de 2017 e o primeiro de 2019, tivemos uma redução no número de automóveis exportados equivalente a 12% da nossa produção e certamente grande parte disto resultou da contração argentina. No caso de caminhões o percentual foi ainda maior, aproximando-se de 20%.

E a crise argentina deve ter impactado também a exportação e produção de outros bens duráveis de consumo, como equipamentos de vídeo e som, e até mesmo não duráveis, como vestuário. A intensidade do impacto desse segundo ruído dependerá do que vai ocorrer com a economia argentina e não dá para ser muito otimista sobre isso. Por outro lado, também é difícil imaginar que ainda teremos um novo mergulho recessivo da mesma magnitude.

É claro que mesmo um cenário relativamente benéfico de dissipação dos ruídos não elimina o impacto que já está incorporado na taxa de crescimento anual do nosso PIB em 2019. Por outro lado neste cenário ainda parece razoável esperar que esta taxa se aproxime dos 1,2% da pesquisa Focus do Banco Central, particularmente se levarmos em conta a possibilidade de alguma surpresa na construção civil. Este setor, mesmo com a taxa de juros mais baixa que já tivemos, ainda apresentou queda de 2% tct no primeiro trimestre. Aqui posso ver alguma surpresa, principalmente se a reforma da previdência estiver resolvida ou bem encaminhada até o final do ano.

Note-se que quando projetamos um cenário de crescimento de 1,2% para o PIB anual inevitavelmente obtemos uma taxa de crescimento do PIB no último trimestre de 2019 de pelo menos 2% tct. Esta, na realidade, é a medida correta para o crescimento realizado ao longo de 2019. A taxa medida comparando o PIB total de 2019 com o de 2018 ainda estará contaminada pelo fraco desempenho de 2018 e pelos ruídos de 2019.

Com a reforma da previdência aprovada podemos tranquilamente esperar que a taxa de crescimento do PIB já alcance 3% tct no segundo trimestre de 2020. Curioso como uma análise realista de sinais e ruídos pode transformar o atual pessimismo do Pibinho no otimismo de um cenário razoável de recuperação econômica.

*Francisco Lafaiete Lopes, - PhD por Harvard, é sócio da consultoria Macrométrica e ex-presidente do Banco Central

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