sábado, 29 de junho de 2019

Marcus Pestana: O Estatuto do Desarmamento e um estranho no ninho

Ao se armar a população, o que crescerá serão os crimes banais

Tudo indica que teremos mais três anos e meio pela frente marcados por relações tensas entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional.

É a primeira vez que o governo não tem base sólida nas duas Casas legislativas. É evidente que o chamado “presidencialismo de coalizão” deu mostras de esgotamento. Mas a postura do presidente da República demonstra a intenção de polarizar sempre, em vez de apostar no diálogo e na negociação, criando impasses permanentes.

A dúvida da semana foi em torno dos decretos presidenciais que flexibilizaram o porte e a posse de armas. Nove entre dez juristas consideraram os decretos inconstitucionais.

Confesso que não sou especialista em questões de segurança pública. Nesse caso, vivi na pele a máxima do Paralamas do Sucesso: “Entrei de gaiato num navio”. Em 2017, foi instalada a Comissão de Revisão do Estatuto do Desarmamento. Atendendo apelos de ONGs como Sou da Paz, do Instituto Igarapé e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mesmo não sendo especialista, concordei em ser membro. Jamais tinha presenciado uma discussão tão polarizada e sectária. Estudei profundamente o assunto e acompanhei todas as audiências públicas.

Junto com os deputados Raul Jungmann e Subtenente Gonzaga, apresentei um substitutivo que flexibilizava a legislação com ponderação e responsabilidade. O substitutivo foi derrotado na comissão especial, mas contava com a simpatia das polícias militares, das Forças Armadas e da Polícia Federal. A matéria, por diversos motivos, não foi a plenário.

Agora, Bolsonaro recuou, revogando os decretos. E mandou um projeto de lei que será apreciado pelo Congresso Nacional nos próximos meses.

Longe do radicalismo exacerbado do Brasil dos nossos dias, é preciso qualificar a discussão. Não é uma questão de ser contra ou a favor do governo. Não é um tema que deva ser tratado na base do “armar os bandidos e desarmar os cidadãos de bem”. Muito menos na busca da lógica do “bandido bom é bandido morto” e da reinvenção de um faroeste pós-moderno. Todos queremos derrotar a violência e o crime organizado. A discussão é qual é o melhor caminho para uma política pública de segurança eficiente.

As polícias militares sempre recomendaram não reagir em casos de assalto ou assemelhados. O bandido tem todas as vantagens. Tem pouco a perder, tem ao seu lado o elemento surpresa e, muitas vezes, está drogado ou alcoolizado. De tudo que estudei e aprendi nas discussões é que, ao armarmos a população indiscriminadamente, o que crescerá serão os crimes por motivos banais: passionais, de trânsito, de vizinhança, briga de jovens etc.

Achar que armar o “cidadão de bem” tem poder dissuasório sobre os bandidos é grave equívoco. Prova disso são os assaltos a carros-fortes. O bandido não desiste do crime, simplesmente se arma mais. E essa escalada vai criar uma espiral de crescimento da violência. Imaginem vocês o recente impasse com os caminhoneiros se estivessem todos armados. O decreto permitia isso.

O que precisamos é fortalecer o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), aprimorar a legislação penal, ter ações preventivas por meio de políticas sociais ativas e fortalecer o poder repressivo e as ações de inteligência de nosso aparato policial.

Tenho fé de que o governo federal e o Congresso Nacional saberão achar os caminhos, longe dos preconceitos e radicalismos.

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