domingo, 16 de junho de 2019

Merval Pereira: Intolerância política

- O Globo

O presidente demonstra considerar lealdade mais importante do que competência e não admite pensamentos diferentes no governo

O presidente Jair Bolsonaro deu várias mostras nos últimos dias daquilo que já havia sido evidenciado desde o início do governo: o que considera lealdade é mais importante para ele do que competência. E de que não admite diversidade de pensamentos em qualquer instância do governo.

O que ele fez com o presidente do BNDES, Joaquim Levy, foi demiti-lo publicamente ontem, ao anunciar que ele está “com a cabeça a prêmio” há muito tempo, e que já está “por aqui” com ele, que não estaria cumprindo o que combinara ao ser nomeado.

Isso porque Levy indicou para uma diretoria do BNDES Marcos Pinto, que trabalhou na gestão de Lula como chefe de gabinete de Demian Fiocca na Presidência do BNDES, de quem era assessor quando Fiocca foi vice-presidente.

Fiocca encaminhou a indicação de Marcos Pinto para a diretoria da CVM em 2012, na gestão de Guido Mantega. Essa relação de Marcos Pinto com a gestão petista irritou Bolsonaro, que exigiu publicamente sua demissão, ameaçando demitir Levy amanhã se não cumprisse sua ordem.

Por trás da confusão com Marcos Pinto está a irritação de Bolsonaro com o próprio Levy, a quem aceitou no BNDES por insistência do ministro da Economia, Paulo Guedes. A desconfiança do presidente recai até sobre pessoas que o auxiliaram muito de perto, como os ex-ministros Gustavo Bebianno e o general Santos Cruz, de quem era amigo há 40 anos. Foram vítimas de intrigas do mesmo grupo, comandado pelo filho Carlos e pelo guru esotérico Olavo de Carvalho. Bolsonaro faz jus a um conselho que recebeu de seu pai, que lhe dizia para confiar apenas nele e na sua mãe. 

O ministro da Justiça, Sergio Moro, também passou pelo mesmo problema que atinge agora o ministro da Economia, Paulo Guedes. Os dois supostamente tiveram carta branca de Jair Bolsonaro para escolher seus assessores e foram desautorizados pelo presidente.

O caso de Moro foi menos grave que o de Guedes agora, mas exemplar de uma intolerância incomum nos governos recentes, com exceção de uma atitude pontual de Michel Temer, que demitiu um garçom nos primeiros dias de presidente por considerá-lo um espião petista.

Moro foi obrigado a cancelar a nomeação da cientista política Ilona Szabó para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. A ideia da nomeação da presidente do Instituto Igarapé, que estuda violência urbana e propõe medidas como desarmamento e descriminalização das drogas, era justamente colocar uma voz divergente no conselho, para que ele exercesse seu papel em plenitude, isto é, debater teses e sugerir opções ao ministro.

Nos governos anteriores, Francisco Weffort, fundador do PT, foi ministro da Cultura de Fernando Henrique por oito anos; os economistas Marcos Lisboa e Murilo Portugal foram assessores importantes de Palocci quando era ministro; e o próprio Joaquim Levy foi ministro da Fazenda de Dilma.

Os petistas boicotaram os economistas que consideravam tucanos, mas só Levy foi demitido. Dilma era mais próxima de Bolsonaro em termos de intolerância política do que Lula, que sabia aceitar assessores que não fossem petistas de carteirinha.

Com a crescente autonomia do Congresso em relação ao Palácio do Planalto, Bolsonaro parece estar retomando uma política de contato direto com o eleitor, que tentara no início de sua gestão. Radicalizando posições para contentar seu núcleo principal de eleitores.

O próprio ministro Paulo Guedes, que no início do governo disse que daria “uma prensa” no Congresso e teve que recuar, voltou a tentar pressionar os parlamentares com críticas duras contra a proposta da Comissão Especial da Previdência.

O mais provável é que queira passar a ideia de que não gostou da proposta, para que os deputados tenham a sensação de vitória sobre o governo e não façam novas alterações.

Também ontem Bolsonaro usou o Twitter para pedir que a população pressione os senadores para manterem seu decreto que flexibiliza o porte de armas. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado decidiu revogar os decretos que permitem o porte de armas de fogo a cidadãos e colecionadores, atiradores desportivos e caçadores.

O presidente, que já dissera que não acreditava que os senadores fossem votar “contra o povo”, agora pede que os eleitores os pressionem.

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