terça-feira, 25 de junho de 2019

*Pablo Ortellado: Importa se foi hacker?

- Folha de S. Paulo

Petistas e lavajatistas tentam extrair de vazamentos consequências extrapoladas

A troca de mensagens entre Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato está sendo alvo de acirrada polêmica.

Os dois lados do nosso polarizado debate querem extrair do episódio consequências extrapoladas: de um lado, sustenta-se que, se a fonte das reportagens é questionável, então nada pode ser provado e nada deve ser discutido; do outro lado, sustenta-se que, se houve conluio entre juiz e procuradores, então Lula e o PT são inocentes.

Os defensores da Lava Jato não querem falar sobre o conteúdo das conversas, mas de como elas foram conseguidas. Não alegam que as conversas foram falseadas, mas que elas podem ser falseadas.

Isso parece suficiente para questionar a credibilidade das conversas e fugir da questão substantiva de que na Lava Jato juiz e Procuradoria estiveram articulados de maneira escandalosa.

Nos meios lavajatistas, a obsessão por desqualificar as evidências levou à ampla difusão das especulações mais delirantes, das denúncias do pavão misterioso na semana passada à ridícula reportagem de capa da IstoÉ.

Nada do que foi relatado pelo site The Intercept ou pela Folha foi questionado por quem apareceu nas conversas. Não era necessário apresentar como contraevidência os arquivos originais do Telegram; bastaria afirmar “isso é mentira”.


Do argumento especulativo de que as evidências poderiam ser falseadas quer se concluir que o conteúdo não deve ser discutido.

Já Lula segue investindo na estratégia de reduzir sua responsabilidade política à questão da sua culpa no direito criminal. Ciente de que as bases de sua primeira condenação são frágeis, construiu o argumento político de que, se neste caso foi condenado injustamente, então também as demais acusações poderiam ser colocadas sob a suspeita de serem infundadas e apenas motivadas por perseguição.

A sugestão é a de que Lula não apenas não teria se beneficiado da corrupção na Petrobras, como não teria qualquer responsabilidade pelo que aconteceu, nem mesmo responsabilidade política. Talvez a corrupção na Petrobras não tenha sido tão grande e talvez lideranças petistas não tenham se envolvido —ou se envolvido tanto. Num processo viciado, quem poderia dizer?

Subitamente, militantes petistas e parapetistas não discutem mais questões políticas substantivas, como o conluio de um partido de esquerda com o grande capital, mas apenas tecnicalidades jurídicas sobre as mudanças no conceito de prova e de culpa e seus impactos sobre o direito penal.

De uma suspeita lançada sobre os procedimentos jurídicos quer se concluir que o PT não se envolveu com corrupção.

*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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