- Blog do Noblat / Veja
Desde que continue a prender ladrões...
Sabe qual o grau de interesse popular pelo caso das conversas trocadas entre o então juiz Sérgio Moro e o procurador Daltan Dellagnol quando os dois conduziam em parceria a Operação Lava Jato? Baixíssimo. Incipiente.
Sabe o percentual dos brasileiros que se consideram bem informados a respeito? Mínimo. Sabe quantos pontos Moro perdeu entre os que sempre o avaliaram positivamente? Nada muito além da margem de erro.
É o que deverá ficar demonstrado em pesquisas de opinião prestes a saírem do forno. E foi por isso que o presidente Jair Bolsonaro sentiu-se tão à vontade, ontem à noite, para assistir em Brasília ao jogo do Flamengo na companhia de Moro.
Bolsonaro comportou-se à sua maneira quando está de bom humor. Chegou chegando ao camarote principal do estádio: acenou para os torcedores, levantou os braços, vestiu uma camisa do Flamengo e gargalhou. Usava colete à prova de bala.
Moro, mais contido, apresentou-se de terno completo. Mas foi obrigado a despir o paletó para vestir uma camisa do time carioca que Bolsonaro lhe ofereceu. O presidente foi mais aplaudido do que ele. Mas Moro saiu no lucro.
Lembra-se da série de televisão americana chamada “House”, exibida entre 2004 e 2012 em 66 países, inclusive aqui? O ator britânico Hugh Laurie fez o papel de Gregory House, um médico brilhante, mas arrogante e viciado em analgésicos.
De caráter duvidoso, Dr. House tinha o dom de diagnosticar doenças raras e casos inesperados. E para salvar seus pacientes ou simplesmente provar que estava certo era capaz de atropelar todas as normas e procedimentos médicos.
Na Inglaterra, país acostumado a respeitar regras, fez-se uma pesquisa para saber por que Dr. House fazia tanto sucesso ali. Resposta: porque para salvar vidas e atingir seus objetivos, ele mandava as regras às favas.
Moro é o Dr. House. Desde que continue prendendo ladrão, está dispensado de justificar por que mandou os escrúpulos para o beleléu, e com eles o Código de Processo Penal e a Constituição. Bandido bom não é bandido morto? Não é assim que se diz?
Vida que segue.
Em tempo: o Flamengo derrotou o CSA, de Alagoas, por 2 a 0.
Se houve, foi um crime perfeito
Uma coisa é uma coisa. Outra é outra
Digamos que a Polícia Federal descobriu a ação de uma quadrilha de criminosos interessada em tentar desmoralizar a Operação Lava Jato e que por isso invadiu celulares e computadores usados por procuradores da República, juízes federais e o ex-juiz Sérgio Moro, atual ministro da Justiça e da Segurança Pública. O que fazer?
Ora, identificados os membros da quadrilha e os mandantes da ação, simplesmente prendê-los para que sejam processados, julgados, e condenados. São criminosos. E a Justiça deve ser dura com eles, tratando-os com todo o rigor da lei. A Lava Jato foi a mais bem-sucedida operação de combate à corrupção por aqui e alhures.
Mas uma coisa é uma coisa, outra é outra. As conversas reveladas até agora entre o então juiz Moro e o procurador Daltan Dallagnol, parceiros na condução da Lava Jato, indicam para além de qualquer margem de dúvida que eles desrespeitaram, sim, o que está escrito no Código de Processo Penal e na Constituição.
Procurador investiga e oferece denúncia. Juiz aceita ou não a denúncia, e quando aceita deve julgar com isenção. Moro foi tudo menos isento. Forneceu pistas para que Dallagnol investigasse, orientou muitas de suas ações, e até adiantou decisões que tomaria mais tarde. Não procedeu assim com a outra parte – a defesa.
Isso basta para que se conclua que ele privilegiou um lado em detrimento do outro, pelo menos no processo do tríplex do Guarujá que acabou com a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por lavagem de dinheiro e corrupção passiva. É por isso que ele está preso. Foi por isso que não pôde disputar as últimas eleições.
Caberia a tribunais superiores examinarem a conduta de Moro para decidir se a condenação deveria ou não ser anulada. Mas uma eventual anulação criaria o seguinte e grave problema: foi legítima uma eleição onde o candidato que liderou quase até o fim as pesquisas de intenção de voto acabou impedido de disputá-la?
Se Moro cometeu algum crime agindo como agiu, foi um crime perfeito. Por ele não será julgado. Mas por ele também jamais será esquecido.
CPP Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.
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