quarta-feira, 5 de junho de 2019

Trump taxa os maiores fornecedores dos EUA: Editorial / Valor Econômico

Em mais uma tempestade em céu azul, com sérias consequências, o presidente Donald Trump impôs tarifas sobre todas as importações do México a partir de 10 de junho, em uma escalada que chegará em outubro a 25%, caso o governo mexicano não aja para conter os fluxos migratórios para os EUA que passam por seu território, provenientes da América Central. O motivo para a retaliação comercial é espantoso e chega a ser ultrajante se for levado em conta que o México é um parceiro comercial americano, com um tratado em pleno vigor, o Nafta. Mas, além de mostrar que tratados e alianças nada significam para os Estados Unidos, Trump intensificou suas apostas em proteção tarifária de proporções inauditas sobre um terço de suas importações totais, vindas da China (17,7%) e México (14,5%).

Os EUA entraram em guerra comercial com a China por razões econômicas e estratégias, ainda que elas sejam discutíveis. No caso do México, foi provavelmente resultado de seus impulsos incontroláveis. Sua decisão de punir os vizinhos e os consumidores americanos parece demonstração de força, mas foi antecedida por fracassos. Primeiro, fracassou sua risível tentativa de erigir um muro na fronteira mexicana querendo que o governo mexicano arcasse com a conta. Depois, perdeu o confronto com o Congresso americano para obter US$ 8,6 bilhões para construção do muro.

Em mais de um sentido, o México não é a China. Várias cadeias de produção de empresas americanas estão integradas às mexicanas, e o exemplo das montadoras é o mais antigo, mas não o único. Em março, os EUA tiveram um déficit de US$ 9,5 bilhões na balança comercial com o vizinho, um recorde histórico. A magnitude da relação bilateral tem desvantagens para os mexicanos. Trump usa como propaganda - ou por convicção - que os resultados negativos comerciais dos EUA são sempre ilegítimos, exemplos de como o país é explorado em sua boa fé, e o México é sempre um alvo em potencial - mesmo dentro do Nafta, em vigor há um quarto de século.

Outra desvantagem da integração à maior economia do mundo foi a dependência. O México vendeu aos EUA US$ 346 bilhões em mercadorias, 80% de suas exportações totais, em 2018. O governo mexicano não têm saída nenhuma a curto e médio prazos e procura manobrar para mostrar que pouco pode fazer para conter as levas de migrantes que fogem da miséria e violência em Honduras, Guatemala e El Salvador, cruzam seu território e tentam ingressar nos Estados Unidos. Trump exige que o México, país ainda pobre e desigual, seja sua polícia fronteiriça, e tenha sucesso em uma tarefa que até mesmo os EUA parecem não ter. Ou que o México ofereça asilo para quem busca os EUA como destino, algo que não pode fazer em grande escala.

O rompimento com aliados, a deterioração dos fluxos do comércio internacional, a desaceleração econômica global, decorrentes das ações de Trump não estão funcionando para deter o déficit comercial americano. Ele continua crescendo. Os resultados de 2018, com medidas protecionistas já em curso contra China, aço do México e Canadá (suaves, em retrospecto) mostraram que os EUA tiveram os piores déficits em mercadorias (excluindo serviços) de sua história com México, China e União Europeia. O saldo negativo cresce menos em 2019, mesmo com as importações em março da China serem as menores desde o mesmo mês de 2016.

Há várias razões possíveis para isso. A indústria doméstica não ocupou todo o espaço da proteção oferecida pelos bens tarifados, talvez por acreditar que a proteção é temporária. Os EUA continuaram importando o que precisavam antes, mesmo com tarifas e cotas. Foi o que aconteceu, por exemplo, com as importações de aço do Brasil, Argentina e México no primeiro trimestre, apesar de todos eles terem sofrido restrições. Mudam-se os fornecedores ou os fornecedores mudam de lugar, mas o déficit permanece.

No caso do México, o aumento de custos é inevitável. Uma tarifa de 5% sobre automóveis comuns que são vendidos nos EUA pelas montadoras americanas custarão US$ 1.500 a mais por carro ao comprador americano, com alíquota de 5%, segundo o governo mexicano (FT, anteontem). Já os prejuízos para o México poderiam atingir US$ 100 bilhões se os EUA chegarem a aplicar a tarifa máxima de 25%, prometida por Trump, se os produtos mexicanos fossem deslocados do mercado. A curto prazo não serão de forma alguma e, com todo o estardalhaço e a destruição política promovida por Trump, os custos de produção dos EUA subirão com o muro contra as importações.

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